Os mini-lixões! (por Alex Cardoso)

Fonte: Sul21

Alex Cardoso (*)

Coleta seletiva conteinerizada de Porto Alegre, largada pela prefeitura no pátio da Associação dos Catadores Anjos da Ecologia. (Divulgação)

Há de um a três em cada rua dos bairros mais nobres da nossa capital, local que recebe tudo que as pessoas não querem mais, acumulando restos de comida, fraudas descartáveis, resíduos de varredura, papel higiênico, sobras de obras, jornais, plásticos, vidros e tudo mais que se possa imaginar, tornando-se vetor de ratos, baratas e outras pragas, gerando odores desagradáveis, poluição visual e um local de descarte inapropriado para resíduos, os quais recebem grandes investimentos de manutenção, mas não geram trabalho, proteção ambiental e nem mesmo cumprem a lei de resíduos sólidos brasileira. Parece que estou falando dos lixões?

Estou me referindo aos contêineres de Porto Alegre, estes mini-lixões, pois além de serem caros, privados, não tem nenhuma eficiência na gestão de resíduos da cidade, contribuindo enormemente para a diminuição da reciclagem. O cidadão, gerador de resíduos, não tem mais a preocupação de realizar a separação dos resíduos e destinar à reciclagem, “jogando” todos os resíduos misturados dentro do contêiner, que depois, será coletado por um caminhão automatizado e transportado por 120 quilômetros de Porto Alegre, até a cidade de Minas do Leão.

Três empresas privadas lucram milhões com este desserviço a cidade e ao meio ambiente, pois a coleta automatizada não gera postos de trabalho (gera apenas um posto, um motorista por caminhão) na coleta, no transporte até Minas do Leão e depois para enterrar no Aterro Sanitário , sendo atualmente a forma de gestão de resíduos mais cara do país, onerando violentamente os cofres públicos.

A prefeitura de Porto Alegre insiste em retroceder na política de gestão de resíduos sólidos, descumprindo a Política Nacional de Resíduos Sólidos e seu próprio plano de gerenciamento de resíduos e decidindo a revelia da população porto-alegrense, ampliando o número de contêineres neste mês de novembro, agora para “recicláveis” no centro de Porto Alegre, mesmo com à contrariedade dos catadores que nem sequer foram consultados, sendo uma política vertical e unilateral, desconsiderando a luta das catadoras e catadores das cooperativas, pela coleta seletiva solidária e a educação ambiental.

Atualmente apenas 600 catadores atuam nas 20 unidades de triagem, a metade da capacidade que temos de geração de postos de trabalho. Três destas unidades sequer recebem materiais para trabalhar durante a semana inteira, tendo que fechar as portas na metade da semana, ao mesmo tempo em que a cidade caminha para a proibição da circulação dos catadores de rua, com a proibição primeiro das carroças e agora dos carrinhos.

Com cifras milionárias, a prefeitura amplia ainda mais o seu sistema excludente, desrespeitando a nossa história de Porto Alegre como cidade modelo de reciclagem, privatiza o serviço, descumprindo leis e excluindo pessoas, acabando com postos de trabalho e tornando-se uma cidade suja, sem amor ao próximo, sem solidariedade, sem respeito.

A comunidade de Porto Alegre deve cobrar da prefeitura para que esta cumpra a lei de resíduos e mude seu sistema privado e excludente para um sistema inclusivo e cooperativado, onde os geradores de resíduos tenham como destinar adequadamente seus resíduos e os catadores sejam reconhecidos e valorizados pelo importante trabalho que fazem através da implantação de contratos com as cooperativas de catadores para realização da coleta seletiva solidária.

A coleta seletiva solidária amplia os índices de reciclagem, os postos de trabalho, a valorização do trabalho com aumento real na renda do catador além de ser a forma mais efetiva de educação ambiental sem aumentar os investimentos públicos.

Não queremos mini-lixões, queremos coleta seletiva solidária

Coleta seletiva sem catador é lixo.

(*) Alex Cardoso é catador de materiais recicláveis, membro da cooperativa ASCAT, Central de Cooperativas Catapoa, coordenador nacional do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis e estudante de Ciências Sociais na UFRGS.

 

A contratação das cooperativas de catadoras e catadores (por Alex Cardoso)

Fonte: Sul21

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“A coleta seletiva privada encaminha apenas 03% de resíduos à reciclagem”. (Foto: Thomas Lohnes/Arquivo Pessoal)

 Alex Cardoso (*)

A qualidade da gestão de resíduos, do combate à pobreza e à exclusão social, da defesa do meio ambiente e dos recursos públicos pode ser acelerada pela imediata contratação das cooperativas de catadoras e catadores de materiais recicláveis.

Com a dispensa de licitação e formas menos burocráticas de contratos com as cooperativas, estas são assistidas e garantidas pela Lei 11445/07, Política Nacional de Saneamento Básico e pela lei 12305/10 Política Nacional de Resíduos Sólidos, PNRS, que obriga a separação e a coleta seletiva em todos os municípios brasileiros, priorizando a contratação das catadoras e catadores de materiais recicláveis.

Na prática, os municípios ao invés de privatizarem a coleta seletiva com empresas privadas, pagando contratos milionários, com serviços ineficientes, com baixos índices de reciclagem, criando programas de criminalização do trabalho das catadores e catadores podem optar por um processo mais simplificado, implantando a coleta seletiva solidária, garantida a gestão compartilhada dos resíduos, obedecendo as leis nacionais de resíduos e saneamento.

Os dados nacionais de gestão de resíduos apontam que a coleta seletiva privada encaminha apenas 03% de resíduos à reciclagem, a um custo que ultrapassa 600 reais de investimento por tonelada. Porto Alegre, por exemplo, uma das pioneiras da coleta seletiva no Brasil, com coleta seletiva completando 30 anos de implantação, consegue coletar apenas 100 toneladas/dia, num total mínimo de 800 toneladas/ dia, com um saldo de 50% de rejeitos. Este modelo de empresas que objetivam apenas lucro e o serviço de coleta, arrastam os índices de reciclagem para baixo e os índices de investimento para cima, sendo uma perda em relação a quando este serviço é executado pelas catadoras e catadores.

Os exemplos nas cidades onde há contratação de catadoras e catadores mostram que o serviço de coleta seletiva solidária consegue no primeiro ano, aumentar em mais de 300% o volume de resíduos, aumentando em mais de 400% a geração de postos de trabalho nas cooperativas, com aumento mínimo de 100% na renda das catadoras e catadores, economizando recursos públicos na gestão de resíduos.

Cidades como São Leopoldo, onde a cooperativa Uniciclar trabalhava com 12 catadores, com renda média de meio salário mínimo, depois do contrato aumentou para 48 trabalhadores que garantem uma renda bruta em torno de 1500 reais sendo 1200 a renda do catadores e 300 reais os direitos (EPIS, INSS entre outros).

Quando as catadoras e catadores realizam a coleta, a cidade e os cidadãos participam da gestão, separam adequadamente os resíduos com o apoio da educação ambiental que as catadoras e catadores realizam diariamente, formando uma sociedade que se preocupa com seus resíduos, com a inclusão social e com a natureza, participando ativamente como protagonista na gestão de seus resíduos.

A coleta seletiva solidária veio para ficar, ela é o caminho para a gestão compartilhada e a responsabilização da sociedade sobre a gestão dos resíduos, garantidas a inclusão social, a economia de recursos e a defesa da natureza com a reciclagem e futuramente, compostagem.

Faça sua parte, separe seus resíduos adequadamente, apoie as catadoras e catadores de materiais recicláveis e faça a cobrança de sua prefeitura para a realização ou ampliação da coleta seletiva solidária.

(*) Catador de materiais recicláveis, integrante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR)

Ofício da Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo-Coetrae/RS remetido ao Prefeito Municipal de Porto Alegre

CONTEÚDO do ofício da Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo-Coetrae/RS, remetido ao Sr. Prefeito Municipal, contendo análise e recomendações acerca do tema envolvendo a retirada de circulação dos veículos de tração humana utilizados pelos coletores de material reciclável em Porto Alegre.

______________

Ofício 001/2017/COETRAE/RS                   Porto Alegre, 06 de março de 2016.

A Sua Excelência, o Senhor,

Nelson Marchezan Júnior,

Prefeito Municipal, de Porto Alegre,

Praça Montevideo, nº 10,

Nesta Capital.

Assunto: informações da Lei Municipal nº 49.123 de 18 de maio de 2012.

Excelentíssimo senhor Prefeito,

Reporto-me inicialmente ao similar de número 001/2016/COETRA/RS, de 09/08/2016, encaminhado ao Sr. Prefeito Municipal de Porto Alegre, versando sobre os efeitos da Lei Municipal nº 10.531, de 10/09/2008, mais especificamente as disposições que tratam da proibição da circulação de “veículos de tração humana-VTH” no trânsito do Município.

A Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo-COETRAE, instituída pelo Decreto nº 49.123, de 18/05/2012, instância de articulação de políticas públicas voltada para a erradicação do trabalho escravo no Estado do Rio Grande do Sul, no âmbito de suas atribuições, analisou a resposta ao ofício supracitado, veiculada no Ofício nº 573/2016, de 01/09/2016, firmado pela então titular em exercício da Secretaria Municipal de Governança Local da Prefeitura da Capital, basicamente pelo desenvolvimento dos trabalhos do Programa “Todos Somos Porto Alegre”.

Conforme informações até então trazidas a membros da Comissão, quando da primeira abordagem do tema, o Município de Porto Alegre não teria atendido às disposições do artigo 2º e parágrafo da Lei Municipal nº 10.531, que, editada em 10 de setembro de 2008, previu para 10 de setembro p.v. a retirada dos “veículos de tração humana-VTHs” das vias da cidade, prazo esse que foi prorrogado por seis meses, via norma aprovada pelo Legislativo Municipal em 25/08/16.

Reafirma-se, primeiramente, que os veículos de tração humana são utilizados por número expressivo de pessoas que, organizadas ou não em associações e cooperativas, fazem da coleta de

resíduos e materiais recicláveis no município, a geração do trabalho e renda para si e suas famílias, de forma penosa e desgastante.

Sabe-se, igualmente, que Porto Alegre é uma cidade com elevado padrão de consumo e a correspondente geração de resíduos, que cresceu 30% em seis anos — desde 2008 até 2014 — passando de 0,86 kg para 1,12 kg por pessoa, por dia, em média. Apesar da coleta seletiva, uma ínfima parte, apenas 4,6% de todos os recicláveis, são efetivamente aproveitados. Em outras palavras, até 23% dos resíduos sólidos que Porto Alegre encaminha ao aterro de Minas do Leão poderiam permanecer na cidade. Significa que 276 toneladas/dia de lixo, em outras palavras, 276 mil quilos de material reaproveitável não são encaminhados diariamente para tratamento, segundo a prefeitura da Capital. E no Brasil, cerca de 32% do lixo é reciclável, mas apenas 2% acaba de fato passando por processos que permitam o reaproveitamento. Com isso, a média de reciclagem é de 2 kg por habitante/ano, muito abaixo de países como EUA e Alemanha, que beiram os 200 kg por habitante/ano. Todos esses foram divulgados no 7º Fórum Internacional de Resíduos Sólidos realizado na Capital em junho/2016.

Tal quadro demonstra que Porto Alegre ainda está distante da aplicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos-PNRS instituída pela Lei nº 12.305/2010, que busca evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e minimizar os impactos ambientais que a geração de desses resíduos ocasiona.

Essa realidade estaria bem pior se não fossem as ações de um exército de cidadãos e cidadãs, popularmente conhecidos como “papeleiros” ou “catadores”, organizados em 21 cooperativas na Capital, verdadeiros protetores do meio ambiente que fazem da coleta de material reciclável a geração do trabalho e renda para si e suas famílias, e promoção de cidadania, ainda que de forma penosa e desgastante.

Contrariamente a essa relevante e fundamental atividade para a Capital, o Município de Porto Alegre não vem cumprindo a Política Nacional de Resíduos Sólidos, não só deixando de integrar os catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações de compartilhamento da responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, como, valendo-se da Lei Municipal nº 10.531, aprovada em 2008, ainda prevê tirar dessas pessoas, a partir de 10 de março de 2017, o carrinho de

coleta, seu principal instrumento de trabalho, sem que uma alternativa perene e efetiva lhes tenha sido proporcionada para compensar ou minimizar o efeito danoso dessa ação.

Consigna-se que o Programa “Todos Somos Porto Alegre”, ainda que louvável, não alcançou ao desígnio de fomentar o trabalho e geração de renda, conforme duas disposições. Por exemplo, desde sua instituição, consoante informações prestadas no Ofício nº 573/2016, até junho/2016, houve abordagem a 2.352 pessoas de um universo de cerca de 8.000 catadores na cidade; foram qualificadas 801 pessoas (34,05% do total); e encaminhadas a atividades com renda 632 deles, ou seja, apenas 26,87% dos abordados, sem que se tenha notícia da continuidade dos vínculos estabelecidos pelo Programa. Outro dado revela que no Programa de Inclusão Produtiva na Reciclagem, foi implementada uma média de 14 atendimentos por mês entre janeiro/2015 e junho/2016, bastante limitada em relação ao universo de envolvidos nessa atividade.

Dito isso, impõe-se registrar ainda, que além de violar o direito fundamental à dignidade e ao livre exercício da profissão, a retirada dos instrumentos de trabalhado, ou seja, os veículos de tração humana tipificadas na lei municipal, obrigará os catadores a uma jornada excessiva e em condições ainda mais penosas no trabalho, a fim de cumprirem uma meta de coleta que permita um ganho mínimo para o sustento.

Do exposto, a Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo-COETRA/RS, no uso de suas atribuições, e de acordo com os artigos 1º, II e III, 3º, III, 5º, XIII, 170, VII, da Constituição Federal; 157, I e II, e 159, I a X, da Constituição Estadual; e artigos 6º, VIII, 7º XII, 8º, IV, 17, V, 18, § 1º, II, 19, XI, 21, § 3º, I, e 42, III, da Lei Federal nº 12.305, de 02/08/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, além de outras disposições legais pertinentes, RECOMENDA ao Município de Porto Alegre que:

I – Seja mantido o Programa “Todos Somos Porto Alegre” como alternativa de fomento de trabalho e geração de renda aos trabalhadores da atividade de coleta de material reciclável na cidade; e

II – Seja retirada a eficácia, ou revogado, mediante provimento legislativo específico por iniciativa de Vossa Excelência, as disposições da lei municipal que

tratam da proibição da circulação de “veículos de tração humana-VTH” utilizados pelos trabalhadores da atividade de coleta e material reciclável na cidade.

No aguardo de uma posição favorável às presentes recomendações levadas a Vossa Excelência, subscrevo-me.

Atenciosamente.

Cintia Bonder,

Diretora do Departamento de Direitos Humanos e Cidadania,

Coordenadora da COETRAE/RS.

Seis mil catadores de Porto Alegre têm uma semana para deixar as ruas

Fonte: Jornal Já

Foto: Felipe Uhr/Jornal JáFoto: Felipe Uhr/Jornal Já

Termina na próxima sexta-feira (10)  o período legal de circulação dos catadores de lixo reciclável em Porto Alegre.

A partir dessa data começa a vigorar a Lei das Carroças, como ficou conhecido o projeto de lei aprovado em 2008 que proíbe a circulação de carroças e carrinhos de reciclagem até 2014.

O projeto foi prorrogado até 2017 e previa retirada dos catadores do serviço de reciclagem através do programa Todos Somos Porto Alegre com a disponibilização de cursos e a inserção no mercado de trabalho. Isso não aconteceu. Porto Alegre ainda possui 6 mil catadores de lixo.

Uma audiência foi realizada no dia 23 de fevereiro na Câmara de Vereadores com a intenção de discutir e tentar resolver a questão. Na ocasião, diversos catadores se manifestaram alegando que não terão o que fazer se tiverem de deixar o ofício.

A Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) já prepara um projeto de lei para prorrogar até 2022 a circulação de catadores de lixo nas ruas de Porto Alegre, porém o projeto teria de entrar na pauta do legislativo com urgência.

Catadores: um debate necessário – Jornal do Comércio

Fonte: Jornal do Comércio.

Por Marcelo Sgarbossa

Em 10 de março, catadoras e catadores de material reciclável serão proibidos de circular com carrinhos na Capital. A Lei nº 10.531/2008, que proibiu a circulação de carroças pelo bem-estar animal, incluiu os veículos de tração humana numa emenda de última hora. A lei determinou uma série de obrigações à prefeitura, que nem conseguiu cadastrar essas pessoas. Sem cumprir com os deveres, o município não pode cortar o direito de quem quer trabalhar. Em 2016, conseguimos prorrogar por seis meses a circulação dos carrinhos. O prazo está se esgotando, e faltam ações eficazes para assegurar trabalho e renda a milhares de famílias que tiram o sustento desta atividade.

Defendemos que esses agentes da ecologia possam trabalhar de forma digna, com renda garantida. Porto Alegre deve oferecer melhores condições, com formação e equipamentos, como os triciclos que a prefeitura de Maceió (AL) disponibilizou. Não podemos aceitar que se retire o ganha-pão de quem mais precisa sem que o município tenha cumprido a sua parte. O que a prefeitura está fazendo, ao criminalizar a circulação de catadores, vai na contramão da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que prevê a remuneração pelos serviços ambientais prestados.

O prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) deve garantir a preferência na contratação de cooperativas para coleta e comercialização de material reciclável, até mesmo com dispensa de licitação. Em Olinda (PE), isso vem sendo feito. Queremos a prorrogação do prazo para que o novo governo tenha tempo para compreender a complexidade dessa questão. Mas também para que possamos elaborar um Plano Diretor de Resíduos Sólidos com participação democrática. Este é o debate central, que deve ser feito com transparência e solidariedade. Vereador (PT) – Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/03/opiniao/549788-artigos-pagina-4-opiniao-segunda-feira-06-03-2017.html#.WL2quKRiBkh.facebook)

Câmara aprova ampliação em seis meses no prazo para proibição de carrinhos de catadores

Fonte: Sul21

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Prazo para fim do uso de carrinhos por catadores foi ampliado | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Da Redação

A Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou, nesta quinta-feira (25), projeto de lei do vereador Marcelo Sgarbossa (PT), com uma emenda feita pelos parlamentares da base do governo, que determinou a ampliação em seis meses no prazo para a proibição de circulação de catadores que utilizam carrinhos de tração humana. Determinada pela Lei nº 10.531, apelidada de Lei das Carroças, o fim das atividades de catadores tem provocado polêmica com a categoria, porque o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) argumenta que a categoria tem o direito de continuar exercendo a atividade.

Inicialmente, a Lei das Carroças, de autoria do atual vice-prefeito Sebastião Melo (PMDB), que na época era vereador, buscava proibir apenas os Veículos de Tração Animal (VTA), movidos pela força de cavalos, sob o argumento da proteção aos animais. O texto, porém, foi modificado e passou a incluir também os Veículos de Tração Humana (VTH), que são os mencionados no PL de Sgarbossa, os quais são levados pela força dos próprios catadores.

Em 2008, quando foi aprovada, a Lei determinou como prazo máximo para a retirada das carroças e carrinhos das ruas o dia 1º de setembro. O Programa Todos Somos Porto Alegre, que busca oferecer alternativas de formação e renda para os catadores, já capacitou cerca de 600 pessoas e atualmente conta com mais 150. Inicialmente, foram oferecidas 2 mil vagas, número que a Prefeitura imaginava ser compatível com a quantidade de catadores. Alguns deles, embora abordados pelo programa, não foram até o fim com os cursos ou não se interessaram.

Antes da votação, Sgarbossa destacou que o governo admite não ter conseguido incluir e capacitar todos os catadores pelo programa. O PL do vereador pedia que houvesse a ampliação de um ano no prazo, mas foi feito acordo com o governo para que o prazo fosse de seis meses, o que foi determinado pela emenda aprovada. “Nós demos acordo e o movimento também. Queremos reconhecer essa posição do governo. Porque se não fosse prorrogada, os carrinhos já não poderiam mais circular na cidade em setembro”, afirmou ele, que também saudou os “catadores e catadoras que estão perdendo um dia de trabalho pra acompanhar a nossa votação na Câmara”.

Também durante a sessão plenária, a vereadora Lourdes Sprenger (PMDB) pediu que seja realizada uma auditoria do Todos Somos Porto Alegre, argumentando que foram investidos R$ 18 milhões, mas não foi possível capacitar todos os catadores. “Está até hoje na secretaria e não fez a inclusão. Se tem carrinheiro que não foi incluído, tem que ter auditoria neste programa”, ressaltou. Ela considera que o adiamento da proibição é uma manobra da Secretaria Municipal de Governança Local, que não teria cumprido a sua parte, mas em seu discurso, parece ter confundido as carroças com carrinhos, usando argumentos em favor do direito dos animais para votar contra o PL.

Manifesto em favor dos Catadores de Resíduos Sólidos de Porto Alegre

Porto Alegre é uma cidade de um milhão e meio de habitantes do século XXI, com elevado padrão de consumo, embora desigual, e a correspondente geração de resíduos, que cresceu 30% em seis anos — desde 2008 até 2014 — passando de 0,86 kg para 1,12 kg por pessoa, por dia, em média. Apesar da coleta seletiva, uma ínfima parte, apenas 4,6% de todos os recicláveis, são efetivamente aproveitados. Todo o resto se perde. Em outras palavras, até 23% dos resíduos sólidos que Porto Alegre encaminha ao aterro de Minas do Leão poderiam permanecer na cidade. Significa que 276 toneladas/dia de material reciclável, isto mesmo, 276 mil quilos desse material não são encaminhados diariamente para tratamento, segundo a prefeitura da Capital. E no Brasil, cerca de 32% do lixo é reciclável, mas apenas 2% acaba de fato passando por processos que permitam o reaproveitamento. Com isso, a média de reciclagem é de 2 kg por habitante/ano, muito abaixo de países como EUA e Alemanha, que beiram os 200 kg por habitante/ano. Esses são dados divulgados no 7º Fórum Internacional de Resíduos Sólidos realizado na Capital em junho/2016.

Tal quadro demonstra que Porto Alegre ainda está distante da aplicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos-PNRS instituída pela Lei nº 12.305/2010, que busca evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e minimizar os impactos ambientais que a geração de desses resíduos ocasiona.

Essa realidade estaria bem pior se não fossem as ações de um exército de cidadãos e cidadãs, popularmente conhecidos como “papeleiros” ou “catadores”, segundo a mesma lei, organizados em associações e cooperativas na Capital, verdadeiros protetores do meio ambiente que fazem da coleta de material reciclável a geração do trabalho e renda para si e suas famílias, e promoção de cidadania, ainda que de forma penosa e desgastante.

Contrariamente a essa relevante e fundamental atividade para a Capital, o Município de Porto Alegre descumpre a PNRS, não só deixando de integrar os catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações de compartilhamento da responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, como, valendo-se da Lei Municipal nº 10.531, aprovada em 2008, ainda irá tirar dessas pessoas, a partir de setembro deste ano, o carrinho de coleta, seu principal instrumento de trabalho, sem que qualquer alternativa lhes tenha sido efetivamente proporcionada para compensar ou minimizar o efeito danoso dessa ação. Além de violar o direito fundamental à dignidade e ao livre exercício da profissão, isso também obrigará estas pessoas a uma jornada excessiva e em condições ainda mais penosas no trabalho, a fim de cumprirem uma meta de coleta e separação que permita um ganho mínimo para o sustento.

Por tudo isso, o Coletivo A Cidade Que Queremos, que reúne várias entidades e movimentos sociais, em solidariedade aos trabalhadores da coleta de resíduos sólidos de Porto Alegre, exige de seu Poder Público a imediata edição de lei revogando as disposições da Lei nº 10.531/2008, que impõe a retirada do instrumento de trabalho desses profissionais, ao mesmo tempo em que conclama as instituições que zelam pelos Direitos Humanos e proteção ao trabalhador para que adotem as medidas administrativas e judiciais cabíveis, a fim de evitar que uma atividade tão essencial ao meio ambiente e ao sustento familiar se converta num trabalho análogo à escravidão, afrontando os princípios da dignidade humana e ao livre exercício da profissão.

Porto Alegre, agosto de 2016.

Coletivo A Cidade Que Queremos

Catadores de materiais recicláveis exigem ser ouvidos sobre lei que proíbe circulação de carrinhos

Fonte: Sul21

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sem audiência, catadores foram para a frente da Prefeitura debater o assunto | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

Uma audiência marcada pela Defensoria Pública para esta quarta-feira (24), sobre a lei que proíbe a circulação de carrinhos e carroças em Porto Alegre, precisou ser adiada devido ao grande público. O evento estava previsto para ocorrer no auditório do Procon/RS, na rua Sete de Setembro, onde o auditório conta com cerca de 80 lugares, mas pelo menos 200 pessoas compareceram para discutir o assunto. Diante da situação, o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) optou por chamar a categoria para debater o assunto internamente em frente à Prefeitura.

A audiência aconteceria em função da Lei Municipal 10.531/2008, que proíbe totalmente, a partir do dia 11 de setembro, a utilização de veículos de tração humana e animal em Porto Alegre. A defensora Patrícia Ketterman, que faria a primeira fala no evento, explicou que não seria justo realizar a audiência pública sem que houvesse a possibilidade de todos os interessados estarem presentes. “A Defensoria está do lado de vocês, mas há muitas pessoas que gostariam de estar aqui e não conseguiram entrar. Vamos remarcar para um local bem maior”, garantiu. Entre o público, havia também pelo menos cinco mulheres favoráveis à lei, defensoras dos direitos dos animais. Dentre os catadores presentes, porém, nenhum levava carroça puxada por cavalos, apenas carrinhos de tração humana.

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 Foto: Guilherme Santos/Sul21

Auditório do Procon rapidamente lotou, causando cancelamento da audiência | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Os catadores, além de rechaçarem a lei, criada pelo atual vice-prefeito Sebastião Melo (PMDB), exigem ser valorizados e ter sua profissão regulamentada. “Nós começamos a coleta seletiva em Porto Alegre e depois fomos escanteados e criminalizados. O projeto do Melo, inicialmente, era para proibir carroças, de última hora incluíram também os carrinhos. Se era pela questão do direito dos animais, por que proibir também carrinho?”, questionou Alex Cardoso, do MNCR.

A categoria também questionou e criticou os cursos que foram oferecidos pela Prefeitura “em troca” de que deixassem a profissão e vendessem seu carrinho para o poder público por R$ 200. O programa, chamado “Somos Todos Porto Alegre”, consiste em cursos de capacitação em áreas como gestão de resíduos sólidos, gastronomia, construção civil, limpeza, elétrica e marcenaria — com alfabetização para quem também precisa. Os participantes do programa que tenham 75% de presença recebem o pagamento de uma bolsa-capacitação no valor de um salário mínimo (R$ 880).

Para Juliana Roto da Silva, R$ 200 é muito pouco pelo carrinho de tração humana, especialmente considerando que não há garantias por parte da Prefeitura de que a pessoa irá conseguir emprego após a conclusão do curso. “Ninguém perguntou pra nós o que queremos, somos nós que limpamos a cidade e eles foram só criando programa e leis. Eu acho que assim vai ter mais gente na rua, mais gente roubando. Isso é uma profissão, nós queremos ser livres e respeitados”, afirma ela, cujo pai é catador e “cresceu na carroça”. Juliana conta que ela própria estava trabalhando em outro ramo, mas foi demitida devido à crise econômica e voltou a catar. “Não adianta dar curso se não tem emprego”, lamenta.

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Alex afirma que foram os catadores que começaram a coleta seletiva em Porto Alegre | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Uma das pessoas que está fazendo curso de limpeza é Sirlei de Oliveira, mas ela afirma que não recebeu o pagamento referente ao mês de julho, quando entrou no programa. “Disseram que estava com um problema com a Caixa. Mas eu tenho casa, pago água, luz, aluguel, como vou viver sem reciclar e sem receber esse dinheiro?”, questiona. O catador Loreni Alves da Silva afirma que chegou a vender um carrinho, em 2014, e realizar o curso, mas quando terminou, ficou sem nada. Então, juntou alguns ferros que foi encontrando e construiu ele próprio um carro novo, com rodas de moto que comprou em um ferro-velho.

Nascido em Tenente Portela, Loreni mora nas ruas desde os 6 anos de idade, quando sua mãe faleceu após vir com ele para a capital. Ela era descendente de italianos e o pai, que nunca conheceu, indígena da etnia kaingang. Aos 44 anos, analfabeto, ele nunca casou e vive sozinho, definindo-se como um andarilho, sem ter um local fixo para dormir. “O Melo acha que com essa lei vai mudar para melhor? Vai piorar, muitos pais e mães de família vivem de reciclagem. E de que vamos viver?”, questiona ele, que além de reciclar garrafas pet e latinhas também faz trabalhos de artesanato em alumínio, plástico e arame.

Aos 70 anos, Érico José Quaresma aponta que seria quase impossível para alguém de sua idade conseguir um emprego formal de pedreiro ou eletricista, por exemplo. Catador há 30 anos, ele trabalha três vezes por semana, de forma autônoma, levando os objetos da rua para casa, onde sua mulher os coleta, separa e vende. “Eu quero continuar, a nossa vida é isso aí, estamos acostumados a ter o dinheiro na hora, não tem como esperar até o fim do mês. Além disso, onde vão me contratar aos 70 anos?”, questiona.

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Loreni é catador e vive na rua desde os seis anos de idade | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Todos Somos Porto Alegre

Desde que foi iniciado, o programa já capacitou mais de 600 pessoas, com a conclusão de 850 cursos de qualificação (algumas pessoas fizeram dois), dentre as 2 mil vagas que foram oferecidas. Esse número dá conta apenas dos que finalizaram as aulas com 75% de frequência, embora o número inicial de inscritos tenha sido bem maior, segundo a coordenadora Denise Souza Costa. Todas as pessoas têm a bolsa durante o período em que estão no curso, garante ela, mediante 75% de presença — Denise imagina que Sirlei, por exemplo, talvez não tenha comparecido o mínimo necessário para ganhar o benefício.  Atualmente, há 150 pessoas fazendo cursos de camareira, recepção, limpeza, manicure e alfabetização.

Em um cadastro inicial, foram localizadas cerca de 380 carroças e mais de 500 carrinhos, abordados pela busca ativa, segundo Denise. Mas, ela relata que nem todos querem participar do programa: estima que 20% da categoria ainda não esteja sendo acompanhada. “São 380 pessoas acompanhadas atualmente, contando as 150 que estão fazendo o curso, além de outros que já fizeram e estão em entrevistas de emprego, temos parcerias com Zaffari, Auxiliadora Predial, Cootravipa e Sine Municipal”, afirma. Enquanto fazem o curso, os catadores recebem oficinas sobre preparação de currículos e entrevista de empregos. “Entendemos que são trabalhadores que estão tendo atividade restrita em função da lei e a gente oportuniza que possam acessar vagas de emprego”, afirma.

O programa comporta também a reestruturação das unidades de triagem que recebem resíduos, mercado em que os catadores podem optar por trabalhar caso não queiram ou não consigam emprego em outras áreas. Há, ainda, o Semeia Sonhos, em parceria com a UFRGS, que possibilitou que dez pessoas fizessem uma preparação e estejam prestes a abrir seu próprio negócio, tornando-se empreendedoras. “Tem uma que vende pastéis, outra lingerie, outro que que tem um carrinho de bala. Sabemos que não atende todo mundo, mas o Todos Somos Porto Alegre é o único programa com cunho emancipatório que está atendendo pessoas de baixa renda especificamente, é impossível alguém ser contra um programa que está beneficiando exatamente quem nunca teve acesso”, acredita.

Adiamento do prazo

Nesta quinta-feira (25), está prevista para acontecer na Câmara de Vereadores a votação do projeto de lei 108/15, do vereador Marcelo Sgarbossa (PT), que busca ampliar em um ano o prazo para o fim da circulação de veículos de tração humana. A categoria também quer que haja mais prazo para se adaptarem à lei, que prevê que quem desejar continuar atuando na reciclagem possa aderir a cooperativas existentes ou criar uma nova, o que também não é considerado o cenário ideal por muitos catadores independentes.