Manifesto em favor dos Catadores de Resíduos Sólidos de Porto Alegre

Porto Alegre é uma cidade de um milhão e meio de habitantes do século XXI, com elevado padrão de consumo, embora desigual, e a correspondente geração de resíduos, que cresceu 30% em seis anos — desde 2008 até 2014 — passando de 0,86 kg para 1,12 kg por pessoa, por dia, em média. Apesar da coleta seletiva, uma ínfima parte, apenas 4,6% de todos os recicláveis, são efetivamente aproveitados. Todo o resto se perde. Em outras palavras, até 23% dos resíduos sólidos que Porto Alegre encaminha ao aterro de Minas do Leão poderiam permanecer na cidade. Significa que 276 toneladas/dia de material reciclável, isto mesmo, 276 mil quilos desse material não são encaminhados diariamente para tratamento, segundo a prefeitura da Capital. E no Brasil, cerca de 32% do lixo é reciclável, mas apenas 2% acaba de fato passando por processos que permitam o reaproveitamento. Com isso, a média de reciclagem é de 2 kg por habitante/ano, muito abaixo de países como EUA e Alemanha, que beiram os 200 kg por habitante/ano. Esses são dados divulgados no 7º Fórum Internacional de Resíduos Sólidos realizado na Capital em junho/2016.

Tal quadro demonstra que Porto Alegre ainda está distante da aplicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos-PNRS instituída pela Lei nº 12.305/2010, que busca evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e minimizar os impactos ambientais que a geração de desses resíduos ocasiona.

Essa realidade estaria bem pior se não fossem as ações de um exército de cidadãos e cidadãs, popularmente conhecidos como “papeleiros” ou “catadores”, segundo a mesma lei, organizados em associações e cooperativas na Capital, verdadeiros protetores do meio ambiente que fazem da coleta de material reciclável a geração do trabalho e renda para si e suas famílias, e promoção de cidadania, ainda que de forma penosa e desgastante.

Contrariamente a essa relevante e fundamental atividade para a Capital, o Município de Porto Alegre descumpre a PNRS, não só deixando de integrar os catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações de compartilhamento da responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, como, valendo-se da Lei Municipal nº 10.531, aprovada em 2008, ainda irá tirar dessas pessoas, a partir de setembro deste ano, o carrinho de coleta, seu principal instrumento de trabalho, sem que qualquer alternativa lhes tenha sido efetivamente proporcionada para compensar ou minimizar o efeito danoso dessa ação. Além de violar o direito fundamental à dignidade e ao livre exercício da profissão, isso também obrigará estas pessoas a uma jornada excessiva e em condições ainda mais penosas no trabalho, a fim de cumprirem uma meta de coleta e separação que permita um ganho mínimo para o sustento.

Por tudo isso, o Coletivo A Cidade Que Queremos, que reúne várias entidades e movimentos sociais, em solidariedade aos trabalhadores da coleta de resíduos sólidos de Porto Alegre, exige de seu Poder Público a imediata edição de lei revogando as disposições da Lei nº 10.531/2008, que impõe a retirada do instrumento de trabalho desses profissionais, ao mesmo tempo em que conclama as instituições que zelam pelos Direitos Humanos e proteção ao trabalhador para que adotem as medidas administrativas e judiciais cabíveis, a fim de evitar que uma atividade tão essencial ao meio ambiente e ao sustento familiar se converta num trabalho análogo à escravidão, afrontando os princípios da dignidade humana e ao livre exercício da profissão.

Porto Alegre, agosto de 2016.

Coletivo A Cidade Que Queremos

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