Sobre a decadência do Centro Histórico de Porto Alegre – Por Paulo Roberto Rodrigues Soares

Paulo Roberto Rodrigues Soares*

Entre as diversas discussões sobre o futuro de Porto Alegre, uma das questões mais importantes é a do Centro Histórico, especialmente da sua recuperação como espaço público de convivência e interação social de toda a cidade e região metropolitana. O debate é complexo e tem espaço para o mais variado tipo de propostas e opiniões, inclusive algumas que, mesmo reproduzindo argumentos já desgastados e do senso comum, ainda ganham eco nos meios de comunicação.

Por exemplo, em seu artigo “Era uma vez o Centro Histórico” (Sul 21, 21/03/2017) o vereador Adeli Sell afirma que “a decadência do Centro Histórico iniciou quando se deu permissão, nos anos 60, para que ali atuassem camelôs”. Na continuação do artigo o articulista ataca as “ilegalidades” presentes no centro de Porto Alegre e finaliza dizendo que devemos combate-las e devolver o centro e a própria cidade “para as pessoas”. Devolver o centro e a cidade para as pessoas: nisto estamos de acordo. Mas ficamos por aqui.

Em um comentário sobre o artigo considerei o mesmo higienista, afirmando ainda que o nobre edil apresentava conhecimentos parciais de história e geografia urbanas. Primeiramente, porque o Centro é o coração e a alma da cidade, não pertence a um ou outro grupo social e sim a todos que a construíram histórica e culturalmente.

Existem diversas causas para a decadência do(s) centro(s) histórico(s). Coloco no plural porque o caso não se restringe a Porto Alegre, atingindo grande parte das metrópoles e cidades médias. Mas se formos ficar apenas na capital podemos citar a supervalorização imobiliária ocorrida nos anos 60 e 70 do século XX e a consequente verticalização com construção especulativa de edifícios de escritório, muito além das necessidades da cidade, o que esvaziou áreas do centro que poderiam ser ocupadas por moradores. O não planejamento das estruturas de transporte coletivo e a transformação de ruas em terminais de ônibus também desvalorizou diversos setores do centro, sendo maiores exemplos a Avenida Salgado Filho e a – outrora – Praça Parobé.

Logo, a ocupação por camelôs é consequência, além do modelo econômico excludente, desta superconcentração de comércio, serviços e consumidores (os ambulantes estão onde o povo está!). O próprio comércio formal deu a sua contribuição, desvalorizando a arquitetura tradicional e a paisagem urbana do centro com grandes fachadas de imenso mau gosto. Sobre este último não podemos dizer que seria um processo inevitável, pois bem próximo a nós, em Buenos Aires e Montevideo, a tradicional arquitetura do centro continua visível na fotografia urbana.

Outro articulista costumaz sobre as questões do centro histórico (Fernando Albrecht do Jornal do Comércio) reiteradamente afirma em seus artigos que “a classe média foi expulsa do Centro a partir do início dos anos 1990”. Só não sabemos expulsa por quem, pois a partir dos anos 1980, o que vimos foi que a elite foi se retirando do centro por não querer conviver com os mais pobres e os equipamentos de maior status entraram em decadência. Os cinemas de calçada foram desaparecendo e recolhendo-se aos shoppings. Assim como o comércio de luxo assombrado pela violência urbana. Restou o comércio popular e as atividades de baixo prestígio.

Ou seja, o que o vereador e o articulista veem como causa da decadência do centro nós vemos como consequência. Por isso entendemos estas posições como “higienistas”, pois pretendem “limpar” o centro sem atacar as causas do seu declínio. Ou mesmo com todas as políticas de recuperação dos últimos anos (centros culturais, por exemplo) a elite voltou para o Centro?

No mundo e no Brasil as cidades vivem um momento especial em termos de valorização da cultura urbana, das reuniões e eventos de rua (shows, apresentações artísticas, feiras e festivais gastronômicos). Em Porto Alegre, uma legislação restritiva e conservadora, imposta nos últimos anos afasta muitos destes eventos do Centro. Quem sabe atraindo e permitindo mais eventos no Centro Histórico aliado a outras políticas de recuperação (limpeza, segurança) não começamos a reverter a situação devolvendo a cidade para todas as pessoas, sem distinções.

* Professor do Departamento de Geografia da UFRGS. Pesquisador do Observatório das Metrópoles.

Arquitetos apresentam projeto de reforma da Usina do Gasômetro

Após etapa do projeto arquitetônico, será aberta licitação para empresas fazerem as obras | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Débora Fogliatto

A Coordenação da Memória da Secretaria da Cultura de Porto Alegre e a empresa a 3C Arquitetura e Urbanismo apresentaram, nesta segunda-feira (22), o projeto de revitalização da Usina do Gasômetro, em evento ao público. Os arquitetos mostraram como vai ficar o espaço após a revitalização e responderam perguntas das pessoas presentes. Após esta etapa, o anteprojeto seguirá sendo aperfeiçoado por 60 dias e, em seguida, será aberto o processo de licitação que definirá a empresa que realizará as obras previstas.

A 3C Arquitetura foi a empresa vencedora da licitação para a formatação do projeto e definiu a proposta a partir de uma oficina participativa promovida em abril, na qual foram reunidas sugestões de usuários do espaço. A equipe identificou os espaços de maior qualidade patrimonial e realizou o projeto de forma a deixar a circulação interna mais clara. A Usina passará a contar com um espaço gastronômico, além de haver a ampliação dos locais multiculturais e da acessibilidade física.

Tiago Holzmann apresentou o projeto no mezanino da Usina | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A parte voltada à gastronomia ficará concentrada no térreo, onde também estará o cinema (atualmente no terceiro) e uma sala de exposições. Está prevista também, ao longo dos andares, a conclusão do Teatro Elis Regina, a instalação da pinacoteca e uma cafeteria interna. No projeto, consta a colocação de novos elevadores e a possibilidade de se acessar a Usina por quatro lados, com a reabertura da entrada original, que, na época da construção, era na Rua dos Andradas — atualmente, a rua é interrompida na avenida João Goulart, onde fica a entrada principal da Usina.

O projeto prevê, ainda, que haja mais espaços “de estar”, com o quarto andar se transformando no “passeio das artes”, uma espécie de grande praça, segundo explicou o sócio-diretor da 3C, Tiago Holzmann da Silva. “Isso foi uma das demandas das pessoas que participaram da oficina, assim como a maior proximidade com o pôr do sol”, afirmou.

A ideia é que haja a recuperação do edifício como patrimônio e a colocação de cobertura verde e captação de energia solar. A obra também adaptará o prédio em termos de prevenção de incêndio, com a colocação de saídas e escadas para serem utilizadas em caso de emergência. Também haverá sanitários públicos em todos os andares, reforma nas instalações elétricas, ar condicionado e placas de isolamento acústico.

Durante a apresentação, a maioria das perguntas feitas foram em relação às salas atualmente usadas por grupos culturais, preocupados com a continuidade do seu trabalho. Essas questões, porém, em sua maioria, não dizem respeito ao projeto arquitetônico em si, conforme explicou Silva. Segundo o coordenador da Memória Cultural da Secretaria de Cultura de Porto Alegre, Luis Custódio, as obras em si deverão começar em 2017.

Projeto foi construído após oficina de sugestoes do público | Foto: 3C Arquitetura e Urbanismo/ Divulgação

Memórias da Rua da Praia – Porto Alegre

Fonte: Sul21

‘Era como um shopping, mas mais bonito’: memórias da rua mais antiga de Porto Alegre

Luís Eduardo Gomes

Não fosse pelo nome, quem passa hoje pela Rua da Praia poderia sequer imaginar que a via, pelo qual transitam diariamente mais de 200 mil pessoas, um dia levou às margens do Guaíba. Nos anos de 1820, ao passar por ali, o viajante francês Nicolau Dreys registrou em sua obra ‘Notícia descritiva da província do Rio-Grande de São Pedro do Sul: “Nessa rua, formada por casas geralmente altas, de estilo elegante e moderno…”. Na mesma época, o botânico francês Saint-Hilaire já destacava a característica que a acompanharia até os dias de hoje: a grande movimentação do comércio.

A Andradas de outro século | Foto: Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

A Andradas de outro século | Foto: Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

As origens

Ao lado das ruas Riachuelo e Duque de Caxias, a Rua da Praia é o berço da cidade de Porto Alegre. Mais antiga da cidade, iniciava na ponta do Gasômetro e ia até onde hoje se encontra a General Câmara, então a Rua do Ouvidor. À época, o local onde hoje está a Praça da Alfandega era conhecido como Largo da Quitanda, e abrigava o comércio.

Segundo registros oficiais, o primeiro calçamento da via viria em 1799. O emplacamento, em 1843, quando o trecho entre a rua do Ouvidor e a Senhor dos Passos levava outro nome, a Rua da Graça. O atual nome, Rua dos Andradas, viria em 1865, por decisão da Câmara Municipal e em comemoração ao aniversário da Independência.

Coração do comércio da cidade

Ao longo do tempo, especialmente com o aterramento do Centro e o afastamento da orla para a região do Cais Mauá, o perfil comercial da rua foi se sobrepondo ao residencial – hoje seus prédios de moradia concentram-se especialmente no entorno da Praça Brigadeiro Sampaio.

No passado, abrigou tradicionais lojas de vestuário, cafés, confeitarias e os principais cinemas da cidade, o Cacique, o Imperial, o Guarani e o Ópera. Também era o ponto de encontro de políticos e estudantes da cidade, característica que mantém até hoje na Esquina Democrática.

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Atualmente, Andradas mescla comércios e residencias | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Desde 1895 na Rua da Praia, a Óptica Foernges é o comércio mais antigo da região. No entanto, após muitas roupagens, o estabelecimento hoje pouco se diferencia das demais lojas do grupo presentes em centros comerciais. Ao lado, encontra-se a camisaria Aliança, que data de 1923.

Não tão antiga, mas ainda conservando características de sua inauguração, em 1960, a confeitaria Princesa talvez seja o comércio mais “tradicional” da Rua da Praia. Seu cachorro-quente e empadas de camarão já foram premiados e atraem clientes fiéis há décadas. “É o melhor cachorro quente e o melhor doce da cidade”, diz Mauro Pacini, 58 anos, morador da Cidade Baixa e autodeclarado cliente fiel.

Sobrinha dos proprietários originais e dona da confeitaria há 18 anos, Helena Maria Nogueira, 63, lembra com carinho da Rua da Praia da sua infância e juventude e dos comércios tradicionais, como as casas Louro e Lira. “Antigamente, a Rua da Praia era lugar de passeio. Era como se fosse um shopping, mas mais bonito ainda, porque as pessoas se vestiam muito bem. As mulheres usavam sombrinhas, os homens sempre de chapéu, de terno”, diz.

Rua dos Andradas com Senhor dos Passos em 1910 | Foto: Fototeca Sioma Breitman

Rua dos Andradas com Senhor dos Passos em 1910 | Foto: Fototeca Sioma Breitman

Ela conta que costumava frequentar os cinemas e passeava à noite com tranquilidade. Hoje, após trocar sua residência na Borges de Medeiros pelo bairro Ipanema, ela lamenta a falta de segurança e o fato de os shoppings terem se tornado os principais destinos comerciais da cidade. “Devagarzinho, foram desaparecendo as lojas e as pessoas foram deixando a Rua da Praia. Acho que shoppings atrapalharam bastante. No momento que chegaram os shoppings, os cinemas fecharam”, diz.

Calçamento histórico 

Se a rua já mudou de cara muitas vezes desde o final do século XVIII, com o calçamento, hoje tombado, não seria diferente. Até 1860, era formado por uma calha central, com as calçadas laterais em declives. Naquela década e na seguinte, começou a receber sistema de pista abaulada, com sarjetas adjacentes a cada um dos passeios. Inicialmente restrito ao trecho entre as ruas General Câmara e Uruguai, estendeu-se da João Manoel até a Senhor dos Passos.

Em 1885, suas pedras irregulares começaram a ser trocadas por paralelepípedos. Em 1923, seriam instalados os paralelepípedos de granito em mosaico de duas cores entre os trechos da Doutor Flores e Marechal Floriano e entre a Caldas Júnior e a General Portinho.

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Calçadão para pedestres foi construído na década de 1970, entre as ruas Marechal Floriano e General Câmara | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A partir da segunda metade da década de 1970, no governo biônico de Guilherme Sociais Villela, o calçamento foi substituído por um “Calçadão para Pedestres” entre a ruas Marechal Floriano e General Câmara e asfaltado entre a Doutor Flores e a Senhor dos Passos.

Em 1989, o Decreto Municipal 9.442 tombou o calçamento entre Doutor Flores e Marechal Floriano e determinou a sua preservação a partir de características específicas: entre as ruas Doutor Flores e Vigário José Inácio, o mosaico se caracteriza pelo padrão de paralelepípedos cinzas com pequenos losangos de paralelepípedos vermelhos. Já no trecho entre as ruas Vigário José Inácio e Marechal Floriano, os paralelepípedos vermelhos e pretos formam uma malha com grandes losangos intercalados.

Foto: Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Foto: Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Revitalização

A revitalização da Rua da Praia e de seu calçadão vem sendo muito debatida nos últimos anos e sofrendo constantes adiamentos. Nesta semana, o prefeito José Fortunati assinou um contrato de financiamento com a Corporação Andina de Fomento (CAF), que, entre outras obras, garante recursos para a revitalização da Rua dos Andradas, com a total recuperação do pavimento da superfície, mobiliário urbano e sistema de iluminação. A ideia é que a rua seja mantida como trânsito exclusivo de pedestres, mas permitindo a passagem de veículos de serviço.

Segundo a Secretaria Municipal de Obras e Viação, a expectativa de momento é que a licitação para a realização das obras seja feita neste segundo semestre, com o início das obras para o primeiro semestre de 2017.

Confira mais fotos:

Foto: Guilherme Santos/Sul21

Foto: Guilherme Santos/Sul21

 Foto: Guilherme Santos/Sul21

Foto: Guilherme Santos/Sul21

12/08/2016 - PORTO ALEGRE, RS - História e revitalização da Rua da Praia / Rua dos Andradas, no Centro Histórico. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Foto: Guilherme Santos/Sul21

12/08/2016 - PORTO ALEGRE, RS - História e revitalização da Rua da Praia / Rua dos Andradas, no Centro Histórico. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Foto: Guilherme Santos/Sul21

 Foto: Guilherme Santos/Sul21

Foto: Guilherme Santos/Sul21