Nota de entidades em defesa de uma política urbana de efetivação do direito à cidade

50303842_1570416569768477_7564443255236984832_n

Os primeiros dias de 2019 têm sido marcados pelo anúncio de diversas medidas de desmonte institucional em diferentes políticas federais. No campo da política urbana, não foi diferente, tendo sido até mesmo extinto o Ministério das Cidades, órgão responsável pela articulação institucional com Estados e municípios e incumbido da implementação da política urbana em nível nacional. Diante desse quadro extremamente preocupante, as entidades e movimentos subscritos vêm se manifestar em defesa de uma política de desenvolvimento urbano que efetivamente assegure o direito à cidade para toda a população brasileira.

A criação do Ministério possibilitou que o desenvolvimento urbano fosse tratado de maneira integrada, articulando as ações e programas do governo federal de apoio às Prefeituras e aos Estados na área de habitação, saneamento, mobilidade e planejamento urbano. Destaque-se aqui seu papel no diálogo direto com as Prefeituras dos mais diferentes perfis, de maior ou menor porte, integrantes ou não de regiões metropolitanas, situados em áreas rurais, no litoral, no cerrado e na Amazônia.

O Ministério das Cidades teve um papel central no desenvolvimento de ações de capacitação de corpo técnico do poder público de forma a cumprir as diretrizes gerais do desenvolvimento urbano em respeito à enorme diversidade existente no país.

Além dos avanços institucionais, o Ministério das Cidades criou o também recentemente extinto Conselho Nacional das Cidades, garantindo a realização de maneira inovadora da gestão democrática das cidades em nível federal com a realização de conferências nacionais com a participação da iniciativa privada, governos municipais e estaduais e da sociedade civil.

O Ministério das Cidades foi fundamental, sobretudo, na aprovação do marco jurídico urbanístico consolidado no Brasil na última década, a partir da regulação das políticas setoriais reunidas em torno da habitação e regularização fundiária (Lei Federal nº 11.124/05; Decreto Federal nº 5.796/06; Lei Federal nº 11.481/07; nº 11.952/09, nº 11.977/09, nº 13.465/17); do saneamento ambiental e resíduos sólidos (Lei Federal nº 11.445/07; Decreto Federal nº 7.217/10; Lei Federal nº 12.305/10; Decreto Federal 7404/10); do transporte e mobilidade urbana (Lei Federal 12.587/2012), das áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos (Lei Federal nº 12.608/12; art. 42-A, Estatuto da Cidade) e das regiões metropolitanas (Estatuto da Metrópole, Lei Federal nº 13.089/15).

O desmonte de políticas consolidadas, através da redução de Ministérios, além de violar direitos, não garante necessariamente o aumento da eficiência na implementação de políticas públicas ou do necessário combate à corrupção e desvios de recursos. Muito pelo contrário, a extinção do Ministério das Cidades significa um enorme retrocesso na busca pela integração das políticas urbanas; na captação de recursos internacionais por parte do próprio governo através de bancos de fomento, os quais valorizam a existência de um Ministério próprio sobre a temática das cidades e do desenvolvimento urbano; na implementação das agendas internacionais, como com a Nova Agenda Urbana e a Agenda 2030; no diálogo entre União, Estados e Municípios, na gestão democrática das cidades, na garantia de efetividade do marco jurídico-urbanístico e, consequentemente, na concretização do direito à cidade de todos e todas.

Por tais razões, exigimos a implementação do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano, fruto de anos de discussão no âmbito do Conselho Nacional das Cidades e passo fundamental para uma política urbana realmente articulada entre os entes da federação. Demandamos ainda que o recém instalado Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano seja formado através da eleição de conselheiros dentre seus pares, não podendo ser conformado apenas pela indicação por parte do Poder Executivo sob pena de ferir o princípio da democracia participativa. Por fim, as organizações abaixo manifestam-se pela defesa de uma política urbana efetivamente comprometida com a melhoria das condições de vida nas cidades brasileiras para toda a população e pelo restabelecimento do órgão responsável pelo apoio aos municípios na promoção do Desenvolvimento Urbano no Brasil.

Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU

Acesso – Cidadania e Direitos Humanos

Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – Núcleo RS

Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB

Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – ANPARQ

ANEAC – Associação Nacional dos Engenheiros e Arquitetos da CAIXA

Bigu Comunicativismo

Br Cidades

Cdes Direitos Humanos

Gaspar Garcia

Cendhec Ong

Centro Popular de Direitos Humanos – CPDH

Coletivo A Cidade que Queremos

Cidade mais Humana

Coletivo Massape

CONAM – Confederação Nacional das Associações de Moradores

Conselho Federal de Serviço Social – CFESS

CAUS – Cooperativa Arquitetura, Urbanismo e Sociedade

Direitos Urbanos

Federação das Entidades Comunitárias do Ibura Jordão – FIJ

Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional – FASE

Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal – FENAE

Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas

Fórum Justiça /RS

Fórum sobre Trabalho Social em Habitação de São Paulo

Grupo de Pesquisa Direito Territorialidade e Insurgência/UEFS

Grupo de Pesquisa Lugar Comum/UFBA

GTA – Grupo Técnico de Apoio

Habitat para a Humanidade Brasil

Irfup

Instituto Metropolis

IAB RS

Laboratório de Estudos da Habitação – LEHAB/UFC

Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos – LABHAB/FAU-USP

Laboratório de Habitação e Cidade – LabHabitar/FAUBA

Movimento das Mulheres Sem Teto de Pernambuco – MMST/PE

Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM

Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos – MTD

MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto

Núcleo Aplicado de Defesa das Minorias e Ações Coletivas – NUAMAC da DPE/TO

Núcleo de Assessoria Jurídico Popular – NAJUP

Núcleo de Defesa Agrária e Moradia da DPE/ES – NUDAM

Núcleo de DH e Tutela Coletiva da DPE/PI

Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Movimentos Sociais – NEMOS/PUCSP

Núcleo de Habitação e Moradia da DPE/CE – NUAM

Núcleo de Terras e Habitação da DPE/RJ

Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo da DPE/SP – NE-HABURB

Rede de Mulheres Negras de Pernambuco

Rede Interação

Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Informal – SINTRACI

Terra de Direitos

União dos Movimentos de Moradia

União Nacional por Moradia Popular – UNMP

“Banhado do Pontal da Barra: após mais de duas décadas, Justiça determina o fim do loteamento”

Vistoria no banhado do Pontal da Barra pelo Programa Mar de Dentro, com acompanhamento da FEPAM, do GEEPAA e do CEA. Inicio dos anos 2000. Foto: Antonio Soler.

Vistoria no banhado do Pontal da Barra pelo Programa Mar de Dentro, com acompanhamento da FEPAM, do GEEPAA e do CEA. Inicio dos anos 2000. Foto: Antonio Soler.

Depois de anos de luta, a Justiça Federal de Pelotas, fez valer a legislação ambiental e condenou o loteador e órgão licenciador estadual do RS, no caso a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (FEPAM/RS), a se absterem de realizarem qualquer ato de urbanização no banhado do Pontal da Barra.

Numa Ação Civil Publica (ACP), promovida pelo Ministério Publico Federal (MPF), após denuncias de ONGs ambientais /ecológicas, estudantes e de pessoas preocupadas com o ambiente, o juiz federal, Cristiano Bauer Sica Diniz, considerou em parte procedente a ACP para :  “condenar a FEPAM/RS obrigação de não fazer, consistente em abster­se de conceder licença ambiental em favor dos requeridos Pontal da Barra Loteamentos Ltda, Irajá Andara Rodrigues e Rogério dos Santos Rodrigues, relativamente aos lotes ainda não urbanizadas do Loteamento Residencial Pontal da Barra situados dentro de área de banhado, ou em área que constitua habitat da espécie A. nigrofasciatus, ou ainda em área cuja urbanização afete área de banhado ou habitat da referida espécie”.

Ambos também foram condenados a “recuperar, mediante projeto de recuperação submetido à aprovação do órgão ambiental competente, a área natural degradada por obras de aterramento e/ou de drenagem, realizadas nos anos de 2008, 2010 e 2012 para fins de construção do “Hotel Cavalo Verde” e do “Loteamento Villa Guilhermina”, sob pena de pagamento de multa diária”. A sentença é de agosto desse ano.

Protestos foram realizados pelo movimento ambiental/ecológico pela proteção do Pontal da Barra. Foto: ASoler/CEA.

Protestos foram realizados pelo movimento ambiental/ecológico pela proteção do Pontal da Barra. Foto: ASoler/CEA.

A sentença não deixa duvida, como há o movimento ambiental/ecológico destaca, sobre a obrigatoriedade legal da proteção dos banhados: “Vale dizer que a proteção da área de banhado se faz necessária independentemente do fato de abrigar espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção, mas por força das diversas outras funções ecológicas desempenhadas por este tipo de ambiente. E o legislador estadual, ao estabelecer que a zona de banhado constitui área de preservação permanente, efetua um juízo de valor a priori quanto à importância ambiental da proteção dessa espécie de ecossistema, que não pode ser desconsiderada seja pela própria Administração Pública, seja pelo Poder Judiciário”.

A decisão da Justiça Federal também afirmou que “não faz coisa julgada erga omnes a decisão proferida em ação civil pública/coletiva julgada improcedente por insuficiência de provas”, referindo-se a uma ACP que tramitou na Justiça Estadual, no inicio da década de 90, pois “o principal fundamento da referida decisão foi exatamente a falta de provas quanto à existência de danos ambientais, embora também tenha sido levada em consideração a suposta irreversibilidade de eventuais danos por força da implantação do loteamento, argumento, data venia, que não pode ser aceito, uma vez que cerca de metade da área total do empreendimento ainda hoje permanece intocada.” Tal decisão da Justiça do RS era seguidamente evocada pelos loteadores para dar prosseguimento a destruição do banhado.

O Juiz acatou grande parte das alegações do MPF, baseado em alegações das ONGs ambientalistas/ecologistass e em diversos estudos que apontam o banhado do Pontal da barra como um ecossistema de grande importância ecológica e histórica, entre outro motivos por ser habitat de especies endêmicas  e ameaçadas de extinção, bem como por nele existirem sítios arqueológicos.

A decisão do Poder Judiciário federal corrigi um erro que a FEPAM cometeu ao conceder o licenciamento ambiental, ainda no inicio década de 90, e confirma o que o movimento ambiental/ecológico, começando pelo Abraço a Lagoa, Lagoa Limpa e Pontal Vivo, afirmam desde o início do loteamento, no que tange ao valor ecológico do banhado e da impossibilidade legal do mesmo ser destruído pela urbanização, bem como falhas na elaboração do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA), o que veio a ser constatado na ACP ora vitoriosa. A sentença também deixa claro que a propriedade deve cumprir sua função social, não sendo o direito a propriedade absoluto, conforme estabelece a Constituição Federal de 88.

Pontal Adesivo Decada 90

Contudo, o debate esta longe de ter fim, pois existem outras obras de drenagem realizadas recentemente no banhado do Pontal, que o ameaçam e que não são objeto da presente ACP, as quais deverão ser analisadas oportunamente pelo Poder Judiciário e estão sujeitas a serem demolidas e o ambiente recuperado.

O Direito Ambiental prevaleceu. A luta ecológica cidadã deu resultado!!!!!!!

Em 2012, o Movimento Pontal Vivo, retomou a luta pela proteção do banhado do Pontal Barra. Foto: Antonio Soler/CEA

Em 2012, o Movimento Pontal Vivo, retomou a luta pela proteção do banhado do Pontal Barra. Foto: Antonio Soler/CEA