A CRONOLOGIA RECENTE DA DESDEMOCRATIZAÇÃO EM PORTO ALEGRE NO CONSELHO MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO AMBIENTAL – CMDUA

Por Lucimar F. Siqueira
Geógrafa, Pesquisadora no Núcleo Porto Alegre do Observatório das Metrópoles, doutoranda PROPUR/UFRGS

A democracia, já ficou evidenciado, não é algo de muito apreço por parte do atual prefeito de Porto Alegre.  Logo no primeiro ano de mandato o governo municipal já tratou de subtrair a democracia do seu povo, mesmo sabendo que a participação popular é um compromisso assumido na Lei Orgânica Municipal ([1]). Aliás, foi direto ao ponto.Um dos primeiros atos do executivo foi a apresentação do Projeto de Emenda à Lei Orgânica número 09/2017 ([2]), cujo registro ocorreu em 28 de julho de 2017, na Câmara Municipal de Porto Alegre. O PL altera o caput do art. 101 da Lei Orgânica do Município referente aos conselhos municipais.

O Fórum Municipal dos Conselhos da Cidade (FMCC) denunciou em 30 de agosto de 2017 a proposta de mudançana Lei Orgânica do Município que afeta os conselhos retirando parte do texto que determina “cujas normas gerais são fixadas em Lei Complementar” e incluindo o termo: “no que couber”. O FMCC entende que o ato de modificar a Lei Orgânica poderá retirar a “necessidade de regulamentação por lei complementar e remete os conselhos à lei ordinária, que não exige maioria absoluta para aprovação e sim, quórum simples; e a expressão “no que couber” possibilita ao Executivo definir autoritariamente as competências dos Conselhos.”([3])

Antes mesmo de seguir a discussão na Câmara, o prefeito Marchezan Jr. seguiu tensionando e agindo de forma pouco democráticaem relação às instituições participativas (instânciasde participação da sociedade civil), como no caso do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental – CMDUA.

A escolha dos novos membros do CMDUA deveria ter acontecido no mês de setembro de 2017, mas o poder público municipal não abriu, na época,o processo eleitoral. Cabe lembrar que é neste conselho que tramitam processos importantes relacionados à produção da cidade, tais como as obras de mobilidade urbana, do Cais Mauá, Orla, projetos apresentados pelas comunidades através das propostas de estudos ou projetos urbanos prioritários[4], etc. É o espaço onde os representantes da sociedade, através dos conselheiros e suplentes, devem discutir o planejamento da cidade, onde ela pode se expandir, definir tipos de ocupação, observar as dinâmicas sociais, econômicas, culturais, ambientais da cidade e traçar estratégias de incidência, sempre tomando como referência o Plano Diretor. No entanto, somente em 27 de dezembro  foi publicado o edital de Convocação para Eleição do Biênio 2018-2019.  O processo eleitoral iniciou, portanto, em 27 de dezembro de 2017 e a última votação nas regiões ocorreu no dia 23 de abril de 2018. Opoder públicodemorou mais 22 dias para que o resultado fosse publicado no Diário Oficial de Porto Alegre ([5]), em 27 de maio de 2018.

A posse foi marcada para o dia 06 de junho de 2018, mas foi cancelada sem qualquer justificativa. No período seguinte, após conhecer o resultado das eleições e sem ter dado posse aos novos conselheiros, o executivo aproveitou para publicar em edição extra do Diário Oficial ([6]), no dia 15 de junho de 2018,  o Decreto Nº 20.013 que “Determina a organização e a estrutura do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA) e revoga o Decreto nº  16.836, de 25 de outubro de 2010.”. Ou seja, oito anos após a edição do último regimento interno do CMDUA o Prefeito Marchezan Jr. decreta mudanças no funcionamento do Conselho sem sequer conhecer o rosto dos novos conselheiros, muito menos discutir coletivamente as modificações.  Cabe destacar que 1/3 da composição do Conselho é formada por representantes do governo – um do Estado, um da União e sete do Município – estes últimos são servidores indicados pelo próprio governo municipal e nem eles foram considerados. Ora, não é o espaço do CMDUA o lugar consagrado para o debate sobre o próprio funcionamento do Conselho? Não é o conselho que deve fazer propostas e apresentar para o governo?

Estão entre as mudanças apresentadas pelo executivo o horário das reuniões que passariam das 18horas para às 14horas. Apenas esta mudança já é suficiente para inviabilizar a participação de vários conselheiros, inclusive criando constrangimento aos próprios representantes do município com choque de agendas entre o desempenho das funções administrativas (reuniões, audiências com outras instituições) e as reuniões do CMDUA (fato registrado na reunião de 13/08/2018, 16h).

Foi somente em 25 de junho de 2018 que ocorreu a reunião de posse e início dos trabalhos da nova gestão 2018-2019 ([7]), sem cerimônia de posse e apresentação dos novos conselheiros à sociedade como ocorreu em eleições anteriores. As pautas caíramno Conselho sem que os conselheiros pudessem discutir a forma de definição das mesmas, ponto este importante pois, segundo as atas de reuniões dos períodos anteriores a esta gestão, as pautas quase que exclusivamente tratam de processos oriundos do setor empresarial e não dos conselheiros que representam as oito regiões de planejamento da cidade[8].

Desde a primeira reunião um grupo de conselheiros vem contestando a forma como foi apresentado e o conteúdo do decreto tomando como referência o significado das instituições participativas na relação sociedade civil-Estado e as consequências práticas das mudanças impostas pelo governo através do decreto. A insistência do governo em levar adiante o funcionamento do CMDUA com referência no decreto, levou o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul responder a uma Ação Civil Pública através de liminar publicada em 10 de agosto de 2018, determinando o imediato retorno aos horários de reuniões às 18h, além de outras considerações[9].

De qualquer forma, o que estamos vivenciando em Porto Alegre não é de surpreender, pois o próprio prefeito tornou pública, em 27 de novembro de 2017,a seguinte declaração:  “Não será ninguém mais do que a elite da comunicação, a elite empresarial e a elite política que farão as reformas tão necessárias. Delegar isso ao ‘seu João’ e à ‘Dona Maria’ é irresponsabilidade”([10]). Esqueceu-se o senhor prefeito que somos todos João e Maria.

 

[1]http://www2.portoalegre.rs.gov.br/cgi-bin/nph-brs?s1=000022938.DOCN.&l=20&u=%2Fnetahtml%2Fsirel%2Fsimples.html&p=1&r=1&f=G&d=atos&SECT1=TEXT

[2]http://camarapoa.rs.gov.br/processos/132385

[3]http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cms/usu_doc/carta_aberta_em_defesa_do_controle_social_em_poa.pdf

[4]http://www2.portoalegre.rs.gov.br/spm/default.php?p_secao=302

[5]http://dopaonlineupload.procempa.com.br/dopaonlineupload/2473_ce_20180516_executivo.pdf

[6]http://dopaonlineupload.procempa.com.br/dopaonlineupload/2532_ce_20180615_executivo.pdf

[7]http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/spm/usu_doc/ata_2769_-_25_junho_2018.pdf

[8]http://observapoa.com.br/default.php?reg=272&p_secao=46

[9]Para acessar o original: https://www.tjrs.jus.br/verificadocs, informando 0000576412353

[10]http://www2.portoalegre.rs.gov.br/portal_pmpa_novo/default.php?p_noticia=999193875&MARCHEZAN+DESTACA+A+IMPORTANCIA+DAS+REFORMAS+EM+EVENTO+DA+AGAS

 

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