O Coletivo a Cidade Que Queremos Porto Alegre discute a revisão do Plano Diretor desde 2017. Uma das reflexões diz respeito às ocupações urbanas. Qual a relação entre as ocupações urbanas e o Plano Diretor?
Por Silvio Jardim e Luciano Fedozzi

Luciano Fedozzi: Tem uma relação muito direta, apesar de não parecer. O Plano Diretor é o ordenamento maior do uso e ocupação do solo urbano, do espaço urbano. Aí se dá a grande disputa. Cada vez que há revisão do Plano Diretor e a eleição dos membros que vai compor o Conselho do Plano Diretor (CMDUA), está em jogo uma grande disputa dos diversos interesses que existem sobre a cidade. De como ocupar a cidade, das formas de uso do solo urbano. Portanto, essa questão das ocupações, elas tem relação muito grande porque diz respeito por exemplo, a seguinte questão: até que ponto o Plano Diretor vai realmente contemplar e cumprir com as chamadas Áreas Especiais de Interesse Social, com a questão da regularização fundiária, com a demarcação de Áreas de Interesse Social. Tudo isso tem a ver com a possibilidades de direitos que aquelas pessoas e aqueles grupos, aqueles movimentos que se veem na obrigação de fazer ocupações tem muito interesse porque Plano Diretor coloca em jogo isso. E são jogos de interesses de poderosos do capital imobiliário, de grandes grupos econômicos que querem que cada vez mais o espaço urbano seja um espaço passível de ser mercantilizado e não de cumprir sua função social.

Silvio Jardim: Uma das questões que estamos discutindo no Coletivo a Cidade Que Queremos é a garantia da Gestão Democrática da Cidade. Me parece que um dos focos que pode estar sendo trabalhado é limitar a Gestão Democrática da Cidade, que está garantida no Plano Diretor, inclusive para sua alteração. Recentes decisões do Tribunal de Justiça declarando inconstitucional Lei do Município porque não considerou o princípio democrático. Então nós temos a preocupação de se isso vai ficar garantido no plano, se nào há um embate para tirar esse princípio, porque é um mecanismo pelo qual a cidadania interfere, ela dá sua opinião, ela faz valer sua visão a respeito da cidade. Porque isso, como o Prof. Luciano colocou, a gente tem uma relação bastante dura com os verdadeiros donos do poder na cidade, que são os magnatas da construção civil. Vamos deixar isso bem claro. Madri acabou de fazer um mapeamento de quem manda no poder da cidade e chegaram a conclusão que são esses setores. Eles estão por dentro do poder legislativo, executivo, dos conselhos, enfim, e é bom que a população se atente para essa discussão sobre alteração do Plano Diretor. Vamos viver numa cidade onde você tem a conjugação do edifício, a cidade e a paisagem, sua visão horizontal, ecologicamente equilibrada, com sustentabilidade, enfim. Ou tu vais morar num lego, ou seja, um monte de edifícios um no ladinho do outro sem nenhum espaço para convívio humano, ambientalmente equilibrado. Isso que o Luciano colocou: aí você tem uma cidade mercantilizada, onde cada metro da cidade, seja ele horizontal ou vertical, na verdade é um meio de reprodução do capital e aí você não tem mais cidade, tu tens um mercado imobiliário, nada mais do que isso.
Luciano Fedozzi: Cada vez mais se observa no Brasil expulsões, seja de forma “branca” por meio de valorização, ou seja, de forma violenta, muitas vezes, da população mais pobre para a periferia da cidade e, no caso das metrópoles, das regiões metropolitanas. Formam verdadeiras cidades puramente dormitórios, sem nenhum direito assegurado, então é esse processo de segregação. Pegamos o caso de Porto Alegre, que tem um caso emblemático, talvez rivalize só com Cidade de Deus lá no Rio de Janeiro, que é o caso da Restinga. A Restinga foi formada na década de 70 exatamente por um processo de remoção de, cerca de doze vilas irregulares, que estavam em áreas consideradas de grande valorização imobiliária que foram mandadas, na década de 70, para 22 km do centro da cidade. E no início só tinha um ônibus de manhã e um ônibus de tarde. E majoritariamente uma população negra. Aliás, é essa a identidade da Restinga, que agora se constituiu muito fortemente através dessa identidade cultural. Então, nós temos lá na Restinga uma verdadeira cidade, pelo tamanho que ela adquiriu e que teve que lutar muito para ter certos direitos, mas que foi um exemplo clássico desse processo de segregação espacial, que responde a essa lógica pura da mercantilização da cidade, cada vez maior.
Luciano Fedozzi: Professor no Curso de Ciências Sociais e PPGS/UFRGS e membro do Comitê Gestor do Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre
Silvio Jardim: Conselheiro da AGAPAN