Por Ignácio Kunkel e Silvio G. F. Jardim (*)
No dia 02 e outubro de 2017, uma comitiva formada por membros do Conselho Estadual dos Povos Indígenas-CEPI, Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da ALRS e Diretoria de Direitos Humanos da Associação dos Procuradores do Estado-APERGS realizaram uma visita à unidade de pesquisa da extinta Fepagro do município de Maquiné/RS. O relato a seguir é feito a partir da vivência com os integrantes da Tekoá e do diálogo empreendido com o administrador atual do órgão, de modo a ratificar, segundo as percepções e conclusões dos integrantes da comitiva, a possibilidade da composição entre a pesquisa e a permanência dos indígenas no local.
É de consenso que a instrução do processo (reintegração de posse ajuizada pelo Governo do Estado contra a Comunidade Indígena Guarani) está bastante madura, com uma boa instrução técnica a partir de múltiplas manifestações institucionais em favor da permanência dos indígenas na área. Neste momento interessa a ambas as partes (Centro de Pesquisa e Aldeia) uma decisão sobre a destinação e uso das áreas negociadas e ajustadas. Mas, apesar de haver posições majoritariamente favoráveis à permanência dos indígenas na área, ainda há algumas contrárias a esse intento. O caso mais forte evidentemente é o do Departamento de Pesquisa da SEAPI. Outra instituição que tem influência no processo é Associação dos Pesquisadores da extinta FEPAGRO (ASSEP). Esta, apesar de estar sendo informada e instrumentalizada para desmistificar preconceitos sobre os indígenas, ainda vem mantendo uma posição pela retirada dos indígenas da área.
O processo está bem fundamentando sob os seguintes enfoques, conforme avaliação na reunião visita ao local, de uma representação da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, Diretoria de Direitos Humanos da Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul e do Conselho Estadual dos Povos Indígenas:
– Está bem caracterizada a necessidade dos indígenas por um espaço próprio e com características naturais preservadas, possibilitando a sobrevivência física e cultural, e cujas condições, apesar de limitadas, cotejado com o ambiente originário, estão presentes de forma rara e múltipla no local. A área, ainda que reduzida, atende de forma privilegiada, comparada ao estado de devastação generalizado do ambiente atualmente no Estado, àquilo que é de direito e também de dever do Estado em favor dos indígenas. Como cidadãos necessitados e conforme a Constituição Estadual do RS (Ato das Disposições Transitórias Nº 14) e disposições da Constituição Federal (art. 231), o tema deve ser tratado através da instância política para regularizar a permanência na área, cuja reivindicação é legitima, contribuindo assim para a recuperação da dignidade do grupo, num contexto de instabilidade e abandono histórico a que estavam relegados;
– Fica evidente o acerto na decisão de suspensão temporária da decisão judicial da reintegração de posse contra aquela comunidade indígena, solicitada pelo Estado do Rio Grande do Sul, na medida em que possibilitou a promoção de um diálogo efetivo entre as partes, com o acompanhamento técnico necessário para entender as especificidades de ambas as partes e, especialmente, para construir os ajustes, preservando especialmente os espaços necessários para a pesquisa e, ao mesmo tempo, identificando a parcela da área que possibilita atender de forma significativa à demanda indígena por uma área com condições ambientais favoráveis na região:
– Em conversa com o administrador do Centro de Pesquisa, Rodrigo Favretto, concluiu-se que, depois de alguns tumultos iniciais com a chegada dos indígenas, aos poucos a tranquilidade foi se reconstituindo. Já faz algum tempo que a normalidade retornou nas atividades diárias do Centro de Pesquisas, exceto alguns detalhes de solução fácil, mas cujos ajustes dependem da etapa posterior à recomendável decisão de consolidação da aldeia no local. Ou seja, através da assistência regular e institucional da política indigenista para aquela comunidade;
– Ainda, ficou evidenciado que o momento está maduro para que seja dada uma decisão política rápida sobre a permanência dos indígenas na área, a ser chancelada pelo Ministério Público Federal e Poder Judiciário. Os elementos apresentados foram negociados e ajustados em negociações extensas, e estão retratadas no conjunto dos relatórios e documentos produzidos através de negociações reais sobre o tema. Assim, de acordo com o referido administrador, o problema atual não é mais a presença indígena na área, mas sim o estado de indefinição em si a que o Centro está exposto administrativamente, e que, inclusive, independe da presença ou não dos indígenas na área, mas passa a ser usado como pretexto para o atraso ou não implantação de melhorias e aperfeiçoamento no local.

Integrantes da comitiva dialogam com o administrador do Centro de Pesquisas e entregam documentos.
Terminada a conversa no Centro de Pesquisa, o grupo se deslocou para a aldeia por um caminho pela mata.
Chegando à aldeia, observou-se o estado de normalidade em que a vida está fluindo nela. A aldeia está estruturada. Há um conjunto de casas tradicionais construídas, ainda que diversas delas cobertas com lonas plásticas, algumas já degradas pelas agruras do tempo. Para a melhoria das mesmas, necessitam do apoio institucional, que somente será possível pelo reconhecimento da regularidade legal da sua permanência através das decisões política e judicial, aguardadas com expectativa favorável pelos indígenas.
A receptividade, a alegria e satisfação dos indígenas da aldeia contagiaram a comissão em visita. O ambiente contrasta de forma oposta com os acampamentos precários e históricos das margens de rodovias. As casas no estilo tradicional dão uma noção forte da comunidade animada e mobilizada intensamente.
Ao iniciar uma chuva, todos foram conduzidos para uma cobertura de lona com uma fogueira ao centro e mate sendo servido.
A abertura da reunião foi feita com música instrumental tradicional Mbyá Guarani; ravé, mbaracá e tamborim, acompanhados com canto e dança de um grupo de crianças da aldeia.
Considerando que o último prazo de adiamento da decisão do juiz no processo de reintegração que tramita na Justiça Federal de Capão da Canoa expirará no dia 28 de outubro atual; que os processos administrativo e judicial já possuem um conjunto de elementos consistentes em prol da permanência dos indígenas na área, resultado do trâmite de negociações entre as partes; e que ainda há algumas posições contrárias à permanência dos indígenas na área, o grupo decidiu priorizar duas atividades para favorecer a decisão favorável à permanência indígena na área: primeiro, promover atos públicos para aumentar a receptividade aos indígenas e à sua cultura, visando gerar apoio da opinião pública e dos agentes públicos e políticos aos indígenas; segundo, anexar o máximo de documentos e manifestações institucionais possíveis, com justificativas e conteúdos relevantes em favor da permanência dos indígenas na área, através da Comissão de Direitos Humanos da Procuradoria-Geral do Estado.
Dessa forma os processos administrativo e judicial estarão solidamente instruídos com elementos técnicos, resultados do processo de negociação e ajuste dos interesses de ambas as partes, que preservam o meio ambiente e a situação plenamente favorável para a pesquisa, bem como a permanência em condições adequadas para os indígenas na área, assentadas nas manifestações maduras e equilibradas do conjunto de instituições envolvidas, gerando um conjunto de informações sólidas para que as autoridades envolvidas possam tomar as decisões em favor da saída razoável, justa e legal sobre o caso.
Além das casas tradicionais, o plantio de milho em pequenas clareiras e roças no entorno das casas indicam a convicção de que o Estado reconhecerá e respeitará a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito fundamental à diversidade e territorialidade do povo indígena, através da criação da Reserva Indígena no local.
Já no fim da tarde, o grupo retornou para Porto Alegre.
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Ignácio Kunkel é Filósofo e Técnico da Emater/RS, atualmente em exercício na Divisão Indígena da Secretaria de Desenvolvimento Rural-SDR/RS.
Silvio G. F. Jardim é Procurador do Estado, integra o CEPI/RS e a Diretoria de Direitos Humanos da Apergs. Milita no Coletivo A Cidade Que Queremos e no Carreiras Jurídicas pela Democracia.
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