Fonte: Jornalismo Ambiental

Diante dos graves problemas ambientais que marcam o século XXI, quais devem ser as bandeiras de luta das organizações não governamentais que atuam na área? O trabalho das ONGs pode ser financiado com dinheiro de poluidores? Os ambientalistas devem continuar participando de conselhos públicos? Como criar novas lideranças? Para tentar responder estas questões, a reportagem do blog de Jornalismo Ambiental da UniRitter entrevistou dirigentes da Agapan, do Movimento Roessler, do Instituto Augusto Carneiro, do Núcleo Amigos da Terra Brasil e do Instituto Ingá. Para melhor compreender o movimento ecologista gaúcho, também consultou a historiadora ambiental Elenita Malta.
Por Alberi Neto, Aline Eberhardt e Ariadne Kramer
Jornalismo Ambiental – Campus Fapa / Manhã
A pressão dos grupos ambientalistas ajudou a criar políticas públicas a fim de proteger o meio ambiente. Antes feito de forma tímida, hoje de maneira mais acentuada, essas conquistas políticas são fruto de uma tomada de posição mais militante dos movimentos ecológicos. Nos anos 1970, por exemplo, não existiam órgãos responsáveis pela fiscalização e cuidado do meio ambiente. Com o avanço e a popularização do movimento, eles foram sendo criados.
A participação do movimento ambientalista nas esferas governamentais que começaram a surgir timidamente nos anos 1980 é um assunto que divide opiniões. Enquanto alguns acham que a política “contamina”, outros acreditam que ela dá voz e não pode ser ignorada. “Devemos fazer ouvir nossa voz em todos os espaços a que possamos ter acesso”, defende Leonardo Melgarejo, ex-presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).
Para o sociólogo Agripa Alexandre, a participação dos ambientalistas nesse lado mais político tirou muito da radicalidade e o caráter combativo do movimento. Doutor especializado em meio ambiente pela Universidade Federal de Santa Catarina, Agripa defende no artigo “A perda da radicalidade do Movimento Ambientalista Brasileiro: uma nova contribuição à crítica do movimento” que a absorção do discurso ecológico pela mídia, empresários e governos foi, na verdade, um retrocesso.
Por vezes, as comunidades pensam que o Estado irá solucionar seus problemas ambientais através de algum órgão, pelo simples fato de ser o Estado, constata o coordenador do Núcleo Amigos da Terra Brasil, Fernando Campos. Ele acredita que isso pode deixar, sim, as pessoas mais acomodadas. “Se você tem uma luta e abre um processo no Ministério Público ou um deputado se compromete a resolver essa luta, as pessoas se acomodam e acham que a questão está resolvida.”.
Quando parte das reivindicações foi atendida pelos conselhos de meio ambiente, municipais, estaduais e federal, todos passaram a se declarar ambientalistas, inclusive as empresas poluidoras. “O chamado marketing verde, só para divulgar a imagem de ambientalmente responsáveis”, explica a historiadora ambiental Elenita Malta. Essa é, segundo a pesquisadora, uma das partes mais complicadas, saber diferenciar o correto do ‘politicamente correto’.
Ainda que as ONGs tenham espaço nesse meio, são espaços extremamente pequenos se comparados à totalidade. “O Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema/RS) é dominado pelo estado”, exemplifica Arno Kayser, presidente do Movimento Roessler para Defesa Ambiental. “Se o estado se ligar com um segmento social, ele já tem maioria absoluta e ganha as votações. É diferente dentro dos comitês de bacia hidrográfica, onde a sociedade está equilibrada com o poder econômico.”
Apesar de existirem diversos conselhos, quase todos são consultivos. “A gente não consegue barrar nada, é sempre voto vencido quando junta empresas e governos”, lamenta Fernando Costa. “Os conselhos não têm sido uma boa opção. Claro que é uma conquista, mas a própria participação popular que foi uma conquista hoje está capturada pelas empresas, que acabam comprando as pessoas para participarem, ou compram até lideranças com propostas bem indecentes.”
Outro ponto negativo, apontado pelo pesquisador e ecologista Paulo Brack, do Instituto Ingá, é a falta de tempo dos ativistas. “É difícil ter pessoas com tempo e disposição de participar, pois os espaços são minados de apoiadores das políticas governamentais e de grandes corporações, situação que acaba fortalecendo os poluidores.” São pessoas de outros setores pagas para influenciar na política ambiental. A bandeira do meio ambiente está em permanente disputa.
Com o atual cenário de corrupção no país, os líderes das organizações não governamentais que atuam na área ambiental apontam uma dificuldade cada vez maior em achar a legitimidade nesses processos participativos. Para eles, acaba sendo complicado buscar voz nas esferas de conselhos se não há como saber a legitimidade das participações. “É um desgaste enorme para um resultado mínimo”, desabafa Fernando Costa.
O desgaste, ao menos, traz união. “Sempre em grupo, nunca um só”, defende Arno Kayser sobre a forma como as decisões são tomadas. “Quando estamos sozinhos acaba acontecendo uma pressão maior, já aconteceu comigo, inclusive. A sorte que fui meio instintivo e disse que não poderia decidir ali, precisava falar com o resto do grupo. Hoje aderimos a essa estratégia.” Diante de tantas dificuldades de participação, quais devem ser as principais lutas dos ecologistas?
Bandeiras de luta
O pioneirismo do movimento ambientalista gaúcho criou diversas frentes de luta da causa ambiental. Conforme o ex-presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) Leonardo Melgarejo, atualmente as lutas “são as mesmas de sempre”. Mas quais são as lutas de sempre?
Para o ambientalista, que é engenheiro agrônomo de formação, com mestrado em economia rural e doutorado em engenharia de produção, as lutas do movimento ambientalista incluem a proteção da biodiversidade, da água e do solo. Criação e valorização de processos de avaliação de impacto ambientais prévios.
A autorização de atividades econômicas e monitoramento de projetos ambientais já aprovados também entram na lista. Assim como punição rigorosa e exemplar de crimes ambientais e o aprimoramento de legislações ambientais, para que sejam crescentemente protetivas.
Melgarejo ainda cita o comprometimento efetivo dos poderes legislativo executivo e judiciário com as causas ambientais, a defesa do patrimônio natural e o respeito às próximas gerações. A Agapan é a mais antiga das entidades, com 46 anos. Poucas entidades ambientalistas têm sido criadas em Porto Alegre (RS).
Uma das mais recentes é o Instituto Augusto Carneiro, criado em 2010. A entidade atua em questões de energia, como a queima de combustíveis fósseis (carvão, gás e petróleo) e na preservação da Mata Atlântica, bioma que tem menos de 3% da sua mata original ainda preservada no Rio Grande do Sul.
A proteção dos oceanos é outra frente de atuação do Instituto Augusto Carneiro, onde são parceiros na luta pela conservação de espécies marinhas ameaçadas, como o Projeto Baleias do Rio Grande do Sul e a campanha internacional Divers for Sharks (Mergulhadores pelos Tubarões).
A coordenadora do Instituto, Kathia Vasconcellos Monteiro, ex-militante do Núcleo Amigos da Terra Brasil, faz questão de deixar claro que a instituição é modesta, com apenas nove integrantes, que tentam fazer uma abordagem ambiental de forma diferente, não só com um viés ideológico, mas técnico também.

No entendimento de Arno Kayser, do Movimento Roessler, no momento há uma “necessidade por novos rumos e projetos”. Para ele, há a necessidade de fazer um movimento que não apenas aponte culpados e problemas, mas trabalhe para mostrar soluções e maneiras de corrigir os erros cometidos ao longo do tempo.
“A luta ambiental é uma luta popular no país, que pode ganhar o apelo da juventude, basta que as antigas lideranças, que ainda estão na mesma luta dos anos 1980 e 1990, saibam se conectar com essa atual geração, que tem muito mais habilidade para militar do que a minha”, constata o agrônomo, ecologista e escritor.
Kayser fez parte do grupo de fundadores do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos (Comitesinos), o primeiro comitê de bacia do Brasil. Além disso, ocupa a função de fiscal ambiental na Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam).
“Nos anos 1990, as grandes corporações quiseram se anexar a essa imagem de proteger o meio ambiente, aí se se fortaleceu esse termo ‘ambientalismo’. Mas a luta ecológica é um movimento conjunto com a sociedade. Nós temos de ser muito mais ecologistas do que ambientalistas”, defende Arno Kayser.
O ecologista do Movimento Roessler, como Kayser prefere ser chamado, reconhece que no cenário atual da luta de defesa pelo meio ambiente, “as forças que oprimem são muito grandes, e é preciso encontrar pessoas que se sintam atraídas pelo tema ambiental e chamá-las para a causa”.
Unidade na luta
Coordenador do Núcleo Amigos da Terra Brasil, Fernando Campos Costa aponta necessidade de unificar o movimento ambientalista – não só ele, mas qualquer movimento social. Para Costa, “a unidade da causa é necessária para enfrentar os desafios que estão colocados diante das instituições”.
Para o coordenador dos Amigos da Terra, o desafio é “conter e regular o avanço capitalista e neoliberal na natureza”. Para ele, a transformação da floresta em algo privado e comercial deve ser combatida. “Nós temos que mostrar para as pessoas quais são as soluções reais e viáveis para esses problemas que nós apoiamos”, explica.
Para Kathia Monteiro, “o movimento carece de pessoas”. A Mata Atlântica, as florestas e até questões ligadas a águas são os assuntos que ela monitora em sua jornada de trabalho ambiental. Mas quando o tema é a luta do movimento, em nível estadual, a renovação e a reocupação dos espaços de militância são pontos destacados por ela.
“Nós não conseguimos nos renovar. O desafio não é só formar novas lideranças, mas manter essas pessoas dentro da causa ambiental. O que é complicado, porque ninguém dá dinheiro para manter ativismo, muito pelo contrário”, desabafa a líder do Instituto Augusto Carneiro, nome de um dos fundadores do movimento ecologista gaúcho.
“Quase não temos mais militância, pois as pessoas não tem disponibilidade, o mundo não dá essa permissão”, constata Kathia. Ele percebe que quem está na área, quer executar coisas. Por isso migra para iniciativas de cooperativismo, cria projetos de conservação e até recuperação de áreas degradadas.
Essa acomodação da militância ocorreu ao longo dos anos 2000, na avaliação de Arno Kayser. Para o ecologista, “antes havia motivos para lutar e enfrentar quem estava no poder”. Com a chegada do novo século, houve um alinhamento com a esquerda chegando ao poder no Brasil.
O líder do Movimento Roessler lembra que como “a própria causa ambientalista se alinhava mais a esquerda, houve um período de realização”. “Quem desmatava, não parou de desmatar, quem poluía, não parou de poluir. As forças contrárias seguiram, mesmo com a esquerda no poder.”
Para o coordenador geral do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Paulo Brack, membro da coordenação da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente (Apedema), o movimento ecológico tem bandeiras que vão além de buscar gente nova.
“Temos que lutar para barrar os ataques governamentais contra a biodiversidade”, exemplifica Brack, referindo-se a legislação aprovada no final do ano passado que autoriza a extinção da Fundação Zoobotânica (FZB) e de outras fundações. Ele ressalta que setores econômicos têm trabalhado para fragilizar a legislação ambiental.
“Em especial, temos de lutar contra a ocupação do território sem barreiras ambientais, contra a facilitação de agrotóxicos, flexibilização de níveis de poluentes, de silvicultura, de mineração e de outras atividades, em grande parte associadas à ‘guerra fiscal’ entre os Estados”, defende Paulo Brack.
Líderes novos para uma causa antiga
Se entre os pontos de destaque levantados pelos ambientalistas, a necessidade de renovação do movimento está presente, resta questionar: como se formam essas novas lideranças? Como a líder do Instituto Augusto Carneiro deixou claro, não há dinheiro fácil para o ativismo. Então como trazer pessoas sem ter como investir na preparação e formação da militância?
Para o ex-presidente da Agapan, os ambientalistas que estão há mais tempo engajados com a causa podem ajudar no ‘despertar’ desses novos líderes, mas não muito mais que isso. “Ambientalistas antigos podem estimular, mas não podem ‘criar’ novos ambientalistas”. Melgarejo chega a afirmar que em certo ponto os mais velhos podem até atrapalhar, “freando iniciativas por questões de vaidade e ego”.
“A formação de lideranças é produto natural do amadurecimento da sociedade e da crescente consciência ambiental. A crise climática, o neoliberalismo, a bancada ruralista, os criminosos ambientais, tudo é fonte de estimulo ao crescimento da consciência ambientalista”, explica Melgarejo. “O surgimento de lideranças resulta do comprometimento do sujeito consciente.”
Assim como Melgarejo, Brack também traça um cenário composto de pessoas mais velhas no movimento. “As ONGs possuem dominância de pessoas que vão dos 30 até mais de 50 anos”. O membro do InGá acredita que parte da juventude parece se aproximar das causas socioambientais, mas revela que faltam programas para fomentar o repasse de experiência das gerações mais velhas.
Para o presidente do Movimento Roessler, essa troca de experiências deficiente ocorre em função de as lideranças mais antigas não terem conseguido fazer uma boa transição e ligação com a forma de militar e de fazer política da juventude. “Esse é um grande desafio, até por conta da ruptura que tecnologia trouxe, os jovens tem um tipo diferente de organização e articulação”, avalia Arno Kayser.
Ele percebe que a maioria das organizações já está voltada para a correção dessa ruptura, com estratégias de mobilização de pessoas mais jovens, que agreguem novos ares à causa ambiental. Mas quais são essas estratégias? O ecologista cita o exemplo do Movimento Roessler, que por meio de projetos busca manter esses jovens por mais tempo dentro das instituições.
“Um projeto tem essa capacidade, porque ele dá um foco para trabalhar. Tem início, meio e fim, faz com que os participantes permaneçam na causa”, ensina. Há dois anos, o Movimento Roessler realizou um Curso de Formação de Lideranças Comunitárias. Houve a formação de uma equipe e a contratação de uma engenheira ambiental de 30 anos de idade, para criar um ambiente mais jovem.
“Se você é um jovem de 20 anos e chega numa reunião de conselho e só vê senhores com seus mais de 50 ou 60 anos, você acaba ficando retraído, inibido”, reconhece Arno Kayser. “Então precisamos trabalhar para mudar isso, e a criação de projetos é um passo importante para atingir essa meta”. E de onde deve vir o dinheiro para os projetos do movimento ambientalista gaúcho?
Dinheiro sujo para fins limpos
Se a formação de novas lideranças se dá, principalmente, com a criação de projetos que atraiam e mantenham as pessoas dentro do movimento ambientalista, financiar esses projetos é um desafio para as ONGs.
Causa que se mantém ativa graças a uma grande massa de trabalho voluntário, o ambientalismo se vê numa tênue linha entre o bem e o mal quanto busca recursos. Pode parecer um clichê, mas quando se trata de aceitar dinheiro para financiar o movimento, os maiores interessados são aqueles que costumam agredir o ambiente em seus ramos de negócio.
“Eu sou financiada com dinheiro sujo, dinheiro que vem da Braskem, da Copelmi (empresas de produção de plástico e extração de minérios, respectivamente)”, revela Kathia. A líder do Instituto Augusto Carneiro explica que apesar do dano que essas empresas causam ao ambiente, elas trabalham com iniciativas de reparo dessas agressões. “A Braskem mantém uma reserva ambiental gigantesca próxima ao seu polo petroquímico e Copelmi trabalha a recuperação das áreas depois de sua exploração”.
Mesmo sabendo que essas empresas prestam esse tipo de apoio para agregar a sua marca o selo de protetores do ambiente, Kathia diz que é uma ajuda que se faz necessária, já que as contribuições e o trabalho voluntário tem se tornado cada vez mais complicado. “Se quisermos colocar projetos em prática e lutar por soluções, precisamos de aporte financeiro, e ele precisa vir de algum lugar.”
Kayser também assume que o movimento se beneficia do patrocínio de grandes poluidoras. O exemplo foi o curso para formar novas lideranças, financiado com recursos da Petrobras Ambiental, setor da estatal especialmente criado para descolar a imagem de poluidora da petroleira. “Eles nos procuram para mostrar que de algum modo tentam compensar os danos que causam ao planeta, para se desprender dessa imagem de grande vilão”, constata o ecologista.
O Movimento Roessler, por exemplo, necessita de cerca de R$ 10 mil ao ano para se manter, é um valor baixo, se comparado ao orçamento dessas grandes empresas, que ultrapassam facilmente a casa dos milhões. Segundo Kayser, o valor é angariado em sua maioria por contribuições voluntárias pagas na forma de mensalidades pelos associados do movimento.
Outros recursos vem de pequenos patrocínios no site e no periódico informativo impresso pela ONG. Ele deixa claro que mesmo aceitando recursos vindos dessas empresas, é necessário saber que elas aos menos trabalham para reparar os danos causados e, caso isso não esteja sendo feito, a saída é abrir mão do dinheiro.
“Mas sempre temos de estar cientes de que dinheiro está chegando às nossas mãos. Já tivemos caso de uma empresa que nos patrocinava e começou a usar práticas das quais lutávamos para serem mudadas. Obviamente, foi necessário encerrar a parceria”, exemplifica o líder do Movimento Roessler.
Melgarejo se mostra contrariado quanto à ideia de receber o “dinheiro sujo” para financiar projetos. A Agapan, entidade que ele presidiu recentemente, é conhecida por ter seu trabalho baseado em contribuições voluntárias de pessoas físicas e mensalidades de associados.
A Petrobras Ambiental, por exemplo, selecionou oito projetos socioambientais gaúchos na última seleção publicada em seu site, na metade de 2014. O valor destinado a esses trabalhos foi de R$ 2,3 milhões. O valor total, investido em 57 projetos em quatro estados brasileiros, foi de R$ 16 milhões.
“A possibilidade de obter recurso de empresas privadas é por vezes sedutora, mas quase sempre comprometedora. Eu particularmente creio que deve ser evitada”, defende Leonardo Melgarejo, ex-presidente da Agapan. O dinheiro está escasso, mas pelo menos a internet barateou os custos da divulgação das campanhas.
Mobilização nas redes sociais

Nos primórdios do movimento ambientalista gaúcho, as campanhas e a mobilização do público eram feitas através do enorme espaço disponibilizado nos jornais impressos. O Correio do Povo, por exemplo, deu lugar a diversas crônicas de Henrique Roessler e também concedeu espaços generosos para a Agapan de Lutzenberger.
Roessler e também Lutzenberger utilizavam a mídia impressa da época para denunciar as barbáries contra o meio ambiente e também incentivar e trazer novos colaboradores para a causa ambiental. Em seus textos, disponíveis no arquivo do jornal, também é possível encontrar preceitos de educação ambiental.
Hoje, a realidade é outra. Com a tecnologia cada vez mais presente na sociedade, a mobilização se dá muito mais pela internet, explica a historiadora ambiental Elenita Malta. “Claro que permanecem as reuniões presenciais dos grupos, mas as campanhas mais quentes se dão pela internet, especialmente pelas redes sociais”, constata.
Para mobilizar e trazer novos militantes para o movimento deve se pensar nas formas de chamar atenção do público desejado, e a internet é um meio facilitador para isso. Como um dos desafios do movimento ambientalista é trazer jovens, até para dar continuidade ao trabalho futuramente, as redes sociais são o chamarisco desse público.
“Nós identificamos o público já convertido, o pessoal que já tem uma consciência do assunto, e as pessoas que não tem essa informação”, conta o coordenador dos Amigos da Terra. “Ainda usamos o panfletinho, a mídia impressa, a rádio comunitária, todas as ferramentas possíveis”, informa Fernando Costa.
As campanhas, na visão do ex-presidente da Agapan Leonardo Melgarejo tendem a ser reativas, em resposta às crises. “Não temos energia nem recursos para nos anteciparmos aos problemas”, reconhece o militante substituído recentemente na presidência da entidade pelo biólogo Francisco Milanez.
O “patrocínio” para colocar as ações em prática vem do próprio bolso dos ambientalistas. “As manifestações maravilhosas de rua a gente não tem mais. É pouca mobilização”, lamenta Kathia Monteiro, do Instituto Augusto Carneiro. “O pessoal não sai do trabalho cansado e vai pra manifestação. Ficou tudo muito simbólico.”
Paulo Brack, do Ingá, concorda com Kathia sobre a falta de tempo, questão que aflige muitas pessoas. “Quando estamos premidos pelo tempo de ações emergenciais, acabamos tomando ações de mobilização mais fortes inclusive na rua, mas as manifestações predominam pela internet”, afirma.
O futuro
Para perpetuar a existência do movimento ecológico, é necessário atrair jovens, pessoas que construirão o seu futuro. Mas qual deve ser o foco da luta?
“Não deixar virar ambientalismo de mercado”, propõe o coordenador dos Amigos da Terra. “Ainda que hoje não sejam só ambientalistas que defendem a natureza, o que já é uma grande vitória para nós, existem as pessoas que só pensam em se promover através do movimento ecológico”, alerta Fernando Costa.
O anseio do professor, pesquisador e ecologista Paulo Brack, do Ingá, é por buscar uma “atuação cada vez mais qualificada, provocando mais e mais os governos, o legislativo e a justiça, para a preocupação com o meio ambiente e as condições da população pobre”.
Fernando Costa segue na mesma linha, exemplificando que “não se pode deixar despercebido àquele que passa fome e se focar em lutar somente pelas plantas”. As temáticas sociais também devem estar de certa forma, ligadas ao movimento ecológico.
O Núcleo Amigos da Terra Brasil promove, todo segundo sábado de cada mês, a Feira Agroecológica Frutos da Resistência, que consiste na troca de informações dos enfrentamentos e resistências que se dão em Herval, no sul do Estado; Maquiné, no litoral; no Cinturão Verde, na Zona Sul de Porto Alegre e através das ações do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.
O ex-presidente da Agapan pensa de forma semelhante. “Um grupo considera que a pauta ambientalista não deve ser ‘contaminada’ por outros temas. Que existem questões ambientais, sociais e políticas. Eu concordo com o outro grupo, que entende ser impossível dissociar estas coisas, que ficar em cima do muro equivale a ficar ‘do lado de lá’.”
Dessa forma, o futuro do movimento deve passar pela crescente renovação, para adaptar-se com a época em que se está, e também pela política de aproximação dos outros movimentos.
“Penso que o primeiro grande ambientalista deste país foi Josué de Castro. Ele mostrou que a miséria deve ser enfrentada por todos porque afeta a todos e decorre do interesse de alguns. O ‘todos’ aí neste contexto envolve passarinhos, árvores, bactérias, gente, os animais, enfim. A crise ambiental resulta da miséria humana. Envolve problemas éticos e morais”, explica Leonardo Melgarejo, da Agapan.
Entre os desejos do presidente do Movimento Roessler, Arno Kayeser, estão as ocupações dos espaços de poder, o maior engajamento para trabalhar com a sociedade e pensar amplamente nas soluções para o movimento ecológico.
O movimento ambientalista gaúcho e o próprio conceito de meio ambiente no Rio Grande do Sul foram construídos ao longo dos últimos quarenta anos e, neste período, se transformaram e se definiram de maneiras diferentes em contextos diferentes.
Agora, resta olhar para o futuro, lembrar o passado e entender como e porque o movimento chegou onde está. Conhecer suas origens é fundamental para trabalhar nos rumos que deve seguir este pioneiro que luta constantemente para se renovar.
As origens

A necessidade de brigar pela conservação da biodiversidade do Estado e ideias vindas de mentes, até então anônimas, de um grupo de pessoas que estava preocupado com o meio ambiente muito antes de o assunto entrar na pauta internacional. Esses são alguns dos elementos que fizeram do Rio Grande do Sul um pioneiro quando o assunto é a proteção ambiental no Brasil.
Uma dessas figuras de vanguarda foi o padre jesuíta Balduíno Rambo. O jesuíta deixou um vasto acervo na forma de artigos científicos, livros didáticos e em seu diário pessoal. Em 1942, publicou sua primeira grande obra, chamada A Fisionomia do Rio Grande do Sul, descrevendo flora, fauna, clima e características geográficas de cada região do Estado, como a Serra, o Litoral e o Pampa.
Em seus escritos, ele já alertava sobre os problemas ecológicos que começavam a aparecer no Estado, tornando-se um dos precursores do ambientalismo no país. Também destacava a importância de proteger os monumentos naturais, pois “eram criações da natureza de importância científica”.
A proteção a espécies botânicas e geológicas, e a conservação dos Parques Naturais e Nacionais também estavam entre suas lutas pessoais. O botânico foi um dos fundadores e o primeiro diretor do Museu Rio-Grandense de Ciências Naturais, além de, por sua sugestão, terem sido criados o Jardim Botânico e o Jardim Zoológico do Rio Grande do Sul. A obrga de Rambo influenciou os principais ecologistas gaúchos.
Militante pioneiro
“Considero como início do movimento ambientalista a fundação da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), em 1971. Antes disso ainda podemos falar em iniciativas de conservação e proteção pelas quais lutava Henrique Roessler. A primeira reivindicação da associação foi contra a poda incorreta e o corte de árvores em Porto Alegre. Eles começaram com reivindicações locais, que foram se expandindo. Também importante no início foi a luta contra a poluição da Borregaard (atual CMPC Celulose Riograndense), o combate aos maus tratos a animais e à caça indiscriminada”, explica a historiadora ambiental Elenita Malta.
Henrique Luís Roessler ficou conhecido como o primeiro fiscal ecológico do Estado. Por iniciativa própria, ele supervisionava as atividades de caça e pesca da região. Logo conseguiu credenciamento com o Ministério da Agricultura para atuar de forma oficial. Mas a habilitação se perdeu quando Roessler multou sem autorização curtumes que despejavam resíduos no rio de São Leopoldo.
Em 1954, ele criou a União Protetora da Natureza (UPN), a primeira do gênero no país, que tinha sede em sua própria casa. Três anos depois, já contava com o apoio de 280 membros. Escrevendo diversas crônicas ao Correio do Povo Rural, o ambientalista denunciava incessantemente na imprensa os danos feitos ao meio ambiente.
A Agapan
Passando oito anos da morte de Roessler e do fim da UPN, um grupo de pessoas se uniu para criar uma entidade de proteção à natureza em Porto Alegre. Então, na década de 1970 uniram forças e formaram a Associação Gaúcha de Proteção do Ambiente Natural (Agapan). Ela foi criada por um grupo cujos nomes mais conhecidos são o engenheiro agrônomo José Antonio Lutzenberger, Hilda Emma Wrasse Zimmermann e Augusto Cunha Carneiro.
O pensamento desses representantes era de que a ação humana seria a principal responsável pelos danos ambientais que poderiam dar fim à vida no planeta.
Com o passar do tempo a ONG foi ganhando notoriedade pública, conseguindo grandes conquistas em um momento que o ambientalismo não era levado a sério. Lutzenberger usava da base científica em seus discursos, o que agregava novos interessados nas reuniões semanais da associação.
A Agapan logo ganhou apoio da população, principalmente por causa de umas das suas lutas mais conhecidas, contra a Borregaard, empresa produtora de celulose que poluía o ar de Porto Alegre e as águas do Guaíba. No tempo em que presidiu a associação, Lutzenberger publicou diversos artigos, que tiveram ampla divulgação, além de realizar palestras por todo o Brasil e também no exterior.