Por Coletivo Cais Mauá de Todos
“Reconhecer uma história comum inscrita no espaço da cidade, entender sua memória social, saber ver lugares dotados de sentido no traçado das ruas e nos prédios, praças e áreas públicas, endossar um pertencimento, reconhecendo territórios e temporalidades urbanas é tarefa que deve ser realizada pelo poder público, mas também pelas instâncias do ensino, da iniciativa privada e da mídia. Assim se cria a responsabilidade de educar o olhar e as sensibilidades para saber ver e reconhecer a cidade como patrimônio herdado.”
Sandra Pesavento – Professora, historiadora, escritora e poeta.
Como é de conhecimento público, em 2008 foi apresentado um plano de negócios para ocupação da área do Cais Mauá, baseado no modelo de concessão de uso à iniciativa privada, em que esta fica responsável por 100% do investimento para viabilizar o empreendimento e recebe em troca o direito integral de exploração da área por 25 anos, renováveis por mais 25 anos.
Para viabilizar sua execução, a Câmara Municipal de Porto Alegre aprova o Projeto de Lei Complementar nº 638, de 4 de março de 2010, do Executivo Municipal, sob encomenda e medida para o modelo de exploração e uso proposto pelo plano de negócio para o Cais Mauá, sem a realização de Audiências Públicas para consultar qual a opinião da população a respeito do mesmo.
O PLC autoriza construção de shopping center (de impacto direto na economia na microrregião, ao concorrer com comércio de porta de rua do Centro histórico), três espigões de 100 metros de altura (quando o limite máximo do centro histórico é de 52 metros) e cinco mil vagas de estacionamentos (cuja rotatividade média de 2h/ veículo, das 08h às 20h, representa aumento de 25 mil carros dia na Av. Mauá).
Em 2010, a partir de acordo celebrado pelos governos Yeda e Fogaça (a revelia de autorização da ANTAQ/Agência Nacional de Transporte Aquaviários, Órgão Federal responsável pela Gestão dos Portos Brasileiros) foi dada a largada para licitação ocorrida em prazo exíguo, descumprindo preceitos legais de publicidade, isonomia e transparência, ao cabo do qual o Estado do RS declara vencedor e assina contrato (que usa como bandeira de campanha eleitoral) com consórcio formado por empresas inidôneas, que nunca apresentaram garantias financeiras para o aporte de R$ 500 milhões previstos pelo plano de negócios, exigência condicionante para participar da licitação e que impediu a inscrição de diversos concorrentes, explicitando o arranjo escuso entre os agentes público e privado.
Em 2011 o cais foi fechado ao público, sob a justificativa do início das obras de revitalização – e assim tem permanecido – obstando as poucas atividades públicas que ali aconteciam como a Feira do Livro e a Bienal do Mercosul. Mesmo não tendo apresentado projetos arquitetônicos, estudos de impacto ambiental e viabilidade urbanística, tampouco licenças e aprovações de órgãos competentes, o Consórcio executa, em 2012, a demolição de edificações anexas aos Armazéns. Além disso, desmonta sete das onze gruas para movimentação de carga, equipamentos relacionados entre os bens protegidos pelo Município.
Já existe um processo no Ministério Público, decorrente do relatório da Inspeção Especial (processo número 002765-0200/13-8), aberto no Tribunal de Contas do Estado, no ano de 2013. Atualmente, encontra-se em tramitação e transformou-se em inquérito civil (IC.00829.00022/2014), em 18/09/2014, na Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Porto Alegre, com o Promotor Nilson de Oliveira Rodrigues Filho, sob o mote da defesa comunitária contra possível ato de improbidade administrativa.
Em 23 de marco de 2015, apresentamos relatório de denúncias e cópia do abaixo assinado comunitário à Defensoria Pública do Estado (NUDAM/Núcleo de Defesa Ambiental, aos cuidados da doutora Loraina Raquel Scottá): protocolo SPI n.º 1239-3000/15-3. Assunto: 0306 – Denúncia Irregularidades Licitação Cais Mauá. A Defensoria expediu solicitação de explicações aos órgãos Municipais e Estaduais, Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) e a Casa Civil, bem como ao empreendedor, Porto Cais do Brasil S.A., que também deverá ser inquirido.
Em setembro de 2015, na apresentação do IEA/RIMA o Consórcio Cais Mauá do Brasil explicita a total inviabilidade financeira e insustentabilidade do plano de negócios proposto, resultando em uma brutal transformação da morfologia urbana do Centro Histórico, violando nosso direito à memória, à história e à paisagem. E o próximo passo, já autorizado pela Prefeitura em 2016, é a demolição do armazém A7.
O QUE QUEREMOS?
Queremos a rescisão imediata do contrato, seguido da ouvidoria da comunidade de forma sistemática, abrangente e direta para a definição do plano de necessidades. A seguir, o concurso público de projetos e nova licitação, fundamentada no Plano Diretor e na execução das obras segundo o modelo definido de exploração e uso em audiências públicas, junto à população.
Lembramos que é comum acontecerem concursos públicos para obras de revitalização de zonas portuárias no mundo todo, geralmente com um número de inscritos próximo a 100, enquanto aqui para Porto Alegre houve apenas quatro inscritos, sendo que três foram desclassificados. O fato de esta licitação ter tido tão poucos interessados representa o fracasso administrativo na sua formulação realmente aberta e internacional. Para Porto Alegre foi vexatório ter apenas uma proposta.
No nosso entendimento a licitação foi mal elaborada, mal divulgada e mal conduzida. Houve no mínimo falta de ética, quando se permitiu que empresas e profissionais que participaram da elaboração do estudo preliminar pudessem também participar da concorrência.
O QUE FAREMOS?
Decidimos adotar uma postura de ação – ao invés de resignação – contra a entrega irrestrita pelo poder público à iniciativa privada de um espaço de tamanha importância simbólica e cultural. Entendemos que se trata de um patrimônio comum, de valor inestimável – material e imaterial – uma área que deve manter-se pública e plural, aberta a toda população.
Mobilizados e articulando ações em diferentes esferas, buscamos o envolvimento de todos os setores da sociedade civil nas discussões, com o objetivo imediato de promover a interrupção de qualquer obra em respeito ao princípio da precaução sobre patrimônio público, para impedir a ação irreversível da demolição do armazém A7.